Na Rua Frederico Mentz, na Vila Farrapos, em Porto Alegre, uma dupla passou um fim de semana inteiro resgatando pessoas com um colchão inflável. A saga de Maick Soares Moreira e Michel Chamberlain começou na sexta-feira à noite, quando as águas das enchentes começaram a invadir as casas da região.
Antes de as chuvas se intensificarem, os homens pediram que seus familiares se retirassem das casas. Eles foram embora em um ônibus da Prefeitura de Porto Alegre, na tarde de 3 de maio. Com medo de saques, Maick e Michel permaneceram em suas propriedades, mas a rápida elevação do nível da água os levou a agir.
A dupla começou a resgatar os vizinhos e conseguiram abrigá-los em um galpão. Alguns objetos pessoais também foram recuperados, mas o alívio durou pouco tempo. Diante do risco de inundação no pavilhão, os homens decidiram arriscar: tentariam retirar as pessoas do local utilizando um colchão inflável que, na ocasião, estava furado.
O salvamento mais emblemático foi de um casal que não sabia nadar. No colchão estavam Michel, Maick, dois familiares deles, seus cachorros e o casal. Durante o transporte, o casal caiu do colchão e foi levado pela água. Maick voltou para resgatá-los e, mesmo com a água quase no pescoço, conseguiu colocá-los de volta no colchão.
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No total, Maick e Michel conseguiram salvar mais de 20 pessoas apenas com o colchão inflável. Ao longo dos dias de resgate, eles não se alimentaram e priorizaram os salvamentos.
“Assim que a água tomou as ruas, vimos muitas pessoas passando de barco, mas elas não atenderam aos nossos pedidos de ajuda”, relatou Maick, em entrevista a Oeste. “Percebemos que, se não houvesse ação por nossa parte, não iríamos sair do galpão. Então, iniciamos os resgates.”
No pavilhão, haviam famílias inteiras, crianças e até uma mulher grávida. Todos foram salvos através da mobilização da dupla. Eles foram os últimos a chegar a terra firme e agora estão abrigados com suas famílias em um ginásio de Porto Alegre.
“Ele ficou para salvar vidas”
A mulher de Maick, Adrielly Moreira, e as filhas Mellory e Ashely foram embora da Vila Farrapos na tarde da sexta-feira, quando a prefeitura começou a realizar a evacuação dos bairros da região. Ela conta que não chegou a presenciar as enchentes, mas ressaltou que o marido ficou no bairro até que todos fossem salvos.
“Ele ficou para salvar vidas”, disse Adrielly, recordando-se do relato do companheiro. “Ele ficou até o fim. Saímos na sexta-feira, e ele só chegou no abrigo no domingo.”
Adrielly disse que ela e sua família foram bem acolhidas no ginásio, onde ficarão até a prefeitura decidir o que irá fazer com os residentes da Vila Farrapos, que ainda está inundada. As refeições têm horários fixos e as crianças têm atividades e brincadeiras para se ocuparem.
Apesar do acolhimento, a mulher admite que nunca imaginou passar por essa situação. Ela acredita que não poderá voltar ao bairro com sua família e busca conforto ao lembrar que conseguiu escapar da tragédia com seus entes queridos.
Enchentes surpreenderam moradores de Porto Alegre
Mesmo com o pedido de evacuação, a força das águas foi tão intensa que alguns moradores relataram à reportagem de Oeste que foram surpreendidos. A avó de Maick, Linda Elaine Aguiar, tem 67 anos e contou que, no momento em que tudo aconteceu, ela estava observando a rua de sua casa.
“Eu estava na esquina da minha casa olhando e quando eu voltei, a água veio de uma forma horrível”, explicou. “Quando vim, estava bem devagar, mas a enchente atingiu minha casa igual com muita força. Saí com a roupa do corpo, só consegui pegar meus documentos.”
A idosa foi ajudada pelos vizinhos, que também tiveram de abandonar suas casas. O nível da água chegou na cintura, e, pouco tempo depois, eles foram retirados dos locais de risco por um ônibus da Prefeitura de Porto Alegre e levados até abrigos.
“No Brasil, vi todos unidos”
Steve Barret, haitiano de 45 anos, mora no Brasil há oito e é vizinho e amigo de Maick e Michel. Ele foi uma das pessoas resgatadas pela dupla durante a enchente em Vila Farrapos, onde também trabalhava.
Quando a água começou a subir, ele e os vizinhos foram até o galpão junto dos homens. Porém, tiveram de sair pouco tempo depois. Assim como os demais, Steve foi retirado do local no colchão inflável.
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Em seguida, os ônibus da prefeitura buscaram os resgatados. Quando interpelado sobre o motivo de ter vindo para o Brasil, Steve se lembrou de tudo que viu no momento da inundação.
“Vim para o Brasil para buscar uma vida melhor, porque meu país é diferente daqui”, disse Steve. “Mas, aqui no Brasil, vi todo mundo unido. E isso ficou nítido quando fomos resgatados da enchente.”