Em 30 de janeiro, a Miss Estados Unidos 2019, Cheslie Kryst, tirou a própria vida ao pular da janela do prédio onde morava em Nova Iorque. Ela tinha 29 anos. A notícia chocou a todos. É claro que qualquer suicídio é chocante. Mas quando se trata de uma jovem bem-sucedida, com inúmeras oportunidades profissionais, que aparentemente era feliz e realizada, o caso provoca ainda mais perplexidade. Ficamos tentando entender o que a levou a tomar uma atitude tão drástica.
Cheslie, ao ser eleita Miss EUA, demonstrou uma força inquestionável. Ela era uma mulher negra, advogada, extremamente qualificada, que, depois de vencer a competição em seu país, acabou figurando entre as dez mulheres mais belas e preparadas no Miss Universo. Após o concurso, passou a trabalhar como repórter em um canal de TV nos Estados Unidos, entrevistando grandes celebridades, como o ator Denzel Washington, além de exercer a profissão de advogada, onde usava a sua voz para lutar por importantes pautas sociais.
Evidentemente não podemos determinar com precisão os motivos que levaram Cheslie, uma jovem com um futuro brilhante pela frente, a tirar a própria vida. Porém, essa tragédia nos indica alguns importantes pontos de atenção, principalmente nesse universo da beleza, mídia e redes sociais.
Ao ser eleita, por quebrar diversos estereótipos, Cheslie foi duramente criticada. Lidou com ofensas racistas e xingamentos de diversos tipos. Desdenharam o tempo todo da sua capacidade de ser Miss. Não há como acreditar que essas ofensas não contribuíram para a decisão trágica que ela acabou tomando. Ocorre que tal situação não é um fato inédito. No Brasil e em tantos outros países, é muito comum acontecer isso com qualquer pessoa que ganha algum destaque na mídia. Vide o fenômeno do cancelamento, tão comum durante a exibição de programas como o BBB, por exemplo, onde de um dia para o outro, pessoas são massacradas e carreiras são destruídas. É claro que quem está na chuva é para se molhar, e o escrutínio público é natural para qualquer pessoa famosa, mas qual é o limite disso tudo?
Não podemos normalizar esses ataques gratuitos. Muitas meninas deixam de buscar o sonho de serem misses, modelos ou influenciadoras, com medo de ataques irresponsáveis, de pessoas que não hesitam em ofender gratuitamente outras que elas sequer conhecem. E isso tem acontecido cada vez mais. Posso citar o que aconteceu com o Whindersson Nunes, Padre Marcelo Rossi, Padre Fábio de Mello, Paula Fernandes, Jim Carrey, Adele, entre outros. Todos foram afetados por ataques on-line. Pessoas que aparentemente vivem a vida dos sonhos, mas que no seu íntimo sofrem, têm angustias e medos, como qualquer ser humano.
Todas as vezes que nos chocamos com casos como o de Cheslie, nos esquecemos da culpa que cada um de nós tem. Quantas vezes apontamos o dedo, criticamos e ofendemos gratuitamente, sendo que muitas vezes aquela pessoa simplesmente precisava da nossa ajuda, e não do nosso julgamento, para vencer a ansiedade e a depressão? Vivemos num período em que buscamos cada vez mais cuidar da nossa estética e do nosso corpo. Mas por qual razão não normalizamos cuidar da nossa mente? Cuidar da nossa alma. Cuidar uns dos outros.
Para se ter ideia do quão importante é o debate sobre a saúde mental, dados levantados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no mundo, o equivalente a uma morte a cada 40 segundos, impactando diretamente a vida de pelo menos outras seis pessoas para cada caso. Esses dados sequer incluem as tentativas sem êxito, que são uma a cada três segundos.
Saúde mental não é brincadeira. Precisamos debater, nos educar e normalizar as conversas sobre o tema. Casos como esse nos trazem algumas considerações importantes: se estivermos ansiosos ou depressivos, precisamos buscar ajuda. Ninguém consegue sair de uma situação dessas sozinho. Mostrar-se vulnerável não é uma fraqueza; é força. Mostrar a nossa fragilidade é um ato de coragem. Peça ajuda, busque tratamento. E, quando estiver interagindo nas redes sociais, não se esqueça que por trás da tela há uma pessoa, que mesmo você não gostando ou aprovando, também tem sentimentos. Também tem uma vida e uma história. Respeite. Se essa pessoa errou, busque fazer uma crítica construtiva. Não seja um hater. Suas palavras podem ter um impacto muito positivo ou muito negativo na vida dos outros. Você decide.
Leia também: “A morte lenta da noite”, artigo de Dagomir Marquezi publicado na Edição 98 da Revista Oeste
*Marthina Brandt, empresária, Miss Brasil 2015 e atualmente diretora-executiva do maior concurso de beleza do país, o Miss Universo Brasil.
Como eu sempre digo, leva um canalha junto, pelo menos isso.