Uma medalha olímpica só é viável com muito trabalho e treino. A vocação não é suficiente sem oportunidade, assim como a oportunidade não é suficiente sem vocação.
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A rotina de Yasmin Saddock, de 12 anos, é o exemplo de que um atleta precisa abdicar de muito e se dedicar para alimentar o sonho. Nada é garantido, mas ela nem pensa nisso. Durante a semana, das 13h até pouco mais de 18h, ela estuda em um colégio cívico-militar de Colombo (PR).
De segunda a sábado, a partir das 19h, a jovem treina tênis de mesa na Sociedade Thalia, em Curitiba (PR). Seus esforços vão até as 23h, e só depois ela volta para casa, num trajeto de 35 minutos. No único período que sobra, pela manhã, ela faz as lições de casa e estuda para provas.
Sua mãe, Kelly, a acompanha em todas as façanhas, já que deixou o trabalho de gerente de mercado para acompanhar a filha. O pai dá muito apoio, mas uma enfermidade limita seus esforços.
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“Meu marido é aposentado e tem problemas de saúde”, conta Kelly, à reportagem de Oeste. “Então, quando a Yasmin começou com o tênis de mesa, ele não podia acompanhá-la. Eu era gerente de um mercado e tinha um salário muito bom. Mas saí e comecei a fazer serviços de costura, em casa, e de diarista, para poder acompanhar ela.”
Uma rotina olímpica sem investimento
O trabalho é árduo, e o sonho, grande. “Meu objetivo é ir para as Olimpíadas”, disse Yasmin, empolgada. “A gente já tá pensando em 2028, já faz a conta.” Aos 12 anos, Yasmin não tem idade suficiente para tentar um suporte do programa de governo Bolsa Atleta.
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Kelly mantém um currículo esportivo da filha, para que, quando ela fizer 14 anos — a idade mínima requerida pelo Ministério do Esporte —, tentar uma das dez vagas destinadas ao Estado do Paraná. Os valores iniciais para atletas de base e atletas estudantis são de R$ 370 mensais.
Kelly disse que, só de transporte e alimentação, os gastos dão de R$ 1600 mensais. Em meses de campeonatos, soma-se o valor da inscrição. “Tem mês que chega a três conto”, contou.
Para Yasmin não desistir, a família faz o que pode. On-line, criou perfis nas redes sociais, para tentar chamar a atenção do público, e uma vaquinha — um site, que oferece diversas opções de valores para apoiar a filha. Além disso, os pais fazem rifas e se desfazem de bens menos importantes do que as necessidades da menina.
Ninguém chega a lugar algum sem apoio. O sonho dela é quem sabe um dia chegar a uma olímpiada.
— kellycristinakubis (@kellyckubis) August 9, 2024
O caminho é longo . Muitos treinos e campeonatos. O apoio de todos é muito importante. Faça parte dessa caminhada de sucesso 🙏🇧🇷❤️🏓 https://t.co/G0eRDmgbvg
“Acabei me desfazendo de algumas coisas pessoais, troquei de celular”, afirmou a mãe. “Vendi um telefone bom que eu tinha. O que meu marido ganha de aposentadoria e o que eu ganho nos meus serviços é suficiente para manter a casa. Então a gente vive muito apertado, sem luxo.”
Os títulos
E não é só de sonhos que vive um atleta. Em pouco mais de um ano de carreira, Yasmin coleciona 26 medalhas, sendo três nacionais e quatro em jogos escolares. Aos 12 anos, ela compete na sua categoria, mas também “sobe” para o sub-15, sub-17, sub-19 e já chegou até a vencer uma mulher de 20 anos.
“Um dos meus melhores resultados foi no Nacional de Concórdia”, conta Yasmin. “Eu fiquei em terceiro, em uma disputa com meninas de mais de 20 anos. Não tinha nenhuma menina da minha idade.”
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Em 2023, Yasmin se destacou em competições locais e chamou a atenção da Sociedade Thalia. O clube não cobra mensalidade da família, dá condições de treinamento e, algumas vezes, cobre custos de transporte regionais e competições. Outras vezes, quem desembolsa todo o valor é a família.
As medalhas e conquistas são prova para a família que ela deve continuar apoiando a trajetória de Yasmin. A jovem até despertou interesse de patrocinadores, mas a parceria foi barrada pelo Conselho Tutelar, por conta da idade da garota. Segundo a mãe, aos olhos da lei, o contrato configuraria trabalho infantil. Mesmo assim, Kelly apoia a filha sob qualquer cenário no futuro.
“Realmente, ela tem um potencial e treina muito para ser uma mesatenista olímpica”, disse. “Não sei se, um dia, vai ser uma campeã olímpica, ou então se vai mudar de ideia e vai para outra outro ramo. Mas, se a gente não incentivar nossas crianças, nunca vamos saber qual é o potencial delas, né?”
O talento vem de sangue
O avô de Yasmin foi Carlos Saddock. Ele foi atleta de tênis de mesa pelo Clube Pinheiral e também pela Sociedade Thalia. Conhecido como Sr. Saddock, foi 11 vezes campeão paranaense de tênis de mesa: penta com o Pinheiral e hexa com o Thalia. Em 1951, ele conseguiu uma medalha de bronze no Campeonato Brasileiro.
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Apesar de herdeira do dom, Yasmin não conheceu o avô. “Ela tem 12 anos, e ele já faleceu há 20”, contou Kelly. “Ela carrega ele no sangue.”
A importância da escola
Além do apoio familiar e dos treinamentos, Kelly conta que a disciplina da escola cívico-militar é fundamental para o desenvolvimento pessoal e profissional de Yasmin.
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“Não é só o tênis de mesa que tem o apoio e que vai para os jogos escolares”, disse. “Eles fazem toda uma movimentação para incentivar as crianças a irem para o esporte. Além disso, eles têm um estatuto, vão uniformizados, cantam o hino, batem continência à bandeira. Eles levantam para receber o professor. Isso é importante para a vida e para o esporte.”