Em um tablado com duas cadeiras de couro, no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, fica Agnaldo, conhecido como “Alemão”, 82 anos. Ele trabalha como engraxate há 60 e está no mesmo lugar há 57. “Já me tornei patrimônio aqui”, brinca o senhor de estatura baixa, acanhado, de olhos azuis, ao mesmo tempo em que organiza seis pares de escovas, buchas e tintas. Conhecidos passam ao redor, o cumprimentam e dizem sempre quase a mesma coisa a novos visitantes: “Esse aí tem história para contar”.
Um cliente chega com um par de sapatos sociais marrom, surrados e sem brilho. “Pode voltar daqui a meia hora”, avisou Alemão, enquanto tateia o couro com as mãos calejadas sujas de graxa. O homem abre uma gaveta, na parte inferior do tablado, separa alguns frascos de tinta e pega um pano branco. “O primeiro passo é limpar”, ensina Alemão, ao derramar um pouco de tinta, na sequência, e atear fogo com um isqueiro. As chamas logo se apagam. “As pessoas se assustam, porém, não deveriam. Da mesma forma que os poros do corpo dilatam, assim é com o couro. Ao colocar fogo nele, consigo fazer a tinta penetrar melhor.”
Clientes que preferem o serviço na hora estranham o procedimento num primeiro momento. “Contudo, de tão rápido que é, a pessoa mal sente os pés ficarem quentes”, tranquiliza Alemão. Um dos que experimentaram essa sensação foi o então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, “que gostou muito do serviço quando foi atendido ali”, conta. Alemão também presta serviço para pessoas famosas que frequentam o tablado e “políticos safados”, como ele mesmo diz, sem citar nomes e sem rodeios. O engraxate orgulha-se de já ter cuidado dos sapatos de figuras de sucesso na década de 1970, como Agnaldo Timóteo e Odair José.
Após “rejuvenescer” o couro, Alemão faz o filete do sapato, ao redor da sola, passando um pouco de graxa. Depois, hidrata, passa uma escova e coloca a mão na parte de dentro do calçado, para tirar o aspecto de “amassado”. Alemão aprendeu essas técnicas antes de se tornar engraxate, quando trabalhou num curtume (local onde ocorre o tratamento químico de couro cru ou pele animal) em uma fazenda, no Rio Grande do Sul. Alemão também restaura bolsas e já fez até sofás.
Ele também já serviu como militar e teve uma banca de jornal. Mas se deu bem mesmo como engraxate. “Trabalho há muitos anos nesse ramo e vou morrer fazendo isso”, assegura. Para ele, “a vida é uma brincadeira” e é preciso aproveitá-la fazendo o que se gosta, “antes que ela acabe”.
Leia outros perfis na reportagem “Profissões em extinção”, publicada na Edição 152 da Revista Oeste
Muito boa a reportagem. E que sirva de estímulo para alguns jovens que queiram ingressar neste ofício; arte que deve ser preservada.
A primeira coisa que mando fazer ao comprar esses sapatos modernos é costura-los, é claro, com um velho e bom sapateiro! Graxa sempre, sapatos feios é coisa dessas novas gerações Woke!
Um bom sapateiro está ficando raro e essas profissões estão desaparecendo.
Um homem pode estar vestido com simplicidade, mas se tiver um sapato impecavelmente limpo e cuidado, diz tudo sobre ele.
Parabéns, Alemão. Que você continue a fazer o que gosta, mesmo servindo a pessoas safadas.