A cidade de São Paulo é um museu a céu aberto. Cada endereço tem uma história para contar. É o caso do número 140 da Praça Doutor João Mendes, no centro da capital paulista, onde funciona há mais de 50 anos o Sebo do Messias. Com acervo de 200 mil obras, é o maior do Brasil.
Pelos corredores, não é raro encontrar o dono, Messias Antônio Coelho, de 81 anos, organizando a imensidão de livros que se espalham até o segundo andar. Mineiro, ele chegou a São Paulo em 1964 para trabalhar como garçom.
Três anos depois, o sogro o convidou para vender livros de porta em porta. Foi aí que entrou no ramo. “Às vezes, os clientes pediam algum título que não tinha”, lembrou. “Então, eu comprava em um sebo e fazia um dinheirinho.”
Um desses clientes morreu de infarto e Messias comprou a biblioteca particular do homem, que era advogado. “Foram 5 mil livros”, disse Messias. O primeiro lar dos livros foi a garagem do cunhado.
Messias continuou a vender os livros de porta em porta até 1970, quando alugou o espaço onde hoje funciona o sebo para guardar a coleção que estava na casa do parente. “Fui alugando várias salas comerciais no mesmo local”, contou. “Em 1971, já usava o andar inteiro do prédio.”
O livreiro também já teve outros pontos de venda na capital paulista. E foi aí que ele também começou a vender livros de outros gêneros e caixas com fita cassete e disco de vinil.
O Sebo do Messias já teve 70 funcionários, mas esse número caiu para 40 desde que as outras lojas fecharam. Dois dos funcionários da loja se destacam: Enoque Josué da Silva e Josué Gil — esse último fala árabe, hebraico, grego e russo. Os dois restauram livros para a venda no sebo.
Messias conta que o diferencial de sua loja são os livros raros. “Já tivemos alguns datados de 1800”, garantiu, ao mencionar que procura renovar o acervo constantemente, com novidades para os clientes. Por dia, a loja física e online vende entre 800 e mil livros; e recebe entre 300 e 600 pessoas por semana.
O Sebo do Messias está localizado na Rua Dr. João Mendes, número 140, São Paulo, a cinco minutos da estação da Sé, na linha vermelha do metrô.
Como o Sebo do Messias, São Paulo tem outros cheios de história para contar.
Sebo Nova Floresta
Fundado há mais de 20 anos, o Sebo Nova Floresta é um dos mais tradicionais do país. Localizado no coração do centro histórico de São Paulo, o espaço tem três andares e guarda mais de 120 mil livros.
O baiano José Amorim de Jesus trabalha na loja desde a fundação, mas está no ramo há quase quatro décadas. Segundo ele, o sebo tem história para contar. A que mais chama a atenção envolve um italiano de mais de 90 anos.
“Ele nos vendeu a própria biblioteca pessoal”, disse Amorim. “Havia uma Bíblia de 1577 na pilha de livros, o primeiro exemplar impresso em latim.”
A Bíblia divide com um dicionário de latim o panteão de exemplares raros da loja. “Além de nós, só a USP tem um”, disse o funcionário.
Andando pelos corredores do sebo, também é possível encontrar um exemplar de A Divina Comédia, obra do poeta florentino Dante Alighieri. Escrito em francês, o livro é datado de 1884. Para Amorim, a raridade é o diferencial do sebo. “Cerca de 90% do que temos aqui é acervo pessoal”, disse. Por dia, a loja vende entre 100 e 150 títulos.
O Sebo Nova Floresta está localizado na Rua Dr. João Mendes, número 25, São Paulo, a cinco minutos da estação Sé, na linha vermelha do metrô.
Sebo Praia dos Livros
Há mais de 20 anos, o Sebo Praia dos Livros funciona em um casarão antigo no centro, com varanda e rede, sofá e escadas nas prateleiras para o visitante encontrar os livros que procura entre os 15 mil do local — até o banheiro é utilizado para guardá-los.
Devoradora de livros, a proprietária Daniele Helfstein disse que encontrou na literatura uma oportunidade de criar a filha, quando se tornou mãe aos 20 anos. Frequentadora assídua de sebos, Daniele explicou que fundou a loja com um novo conceito. “Há 20 anos, o sebo que tinha os livros separados por gênero, com um sofá para sentar-se e um café para beber, era novidade”, disse.
Em meio a tantas histórias contadas, Daniele se recorda de uma que a marcou: a de Ana Paula, uma senhora que vendeu seu acervo. “Enquanto estava embalando os livros para levar embora, Ana segurou um, em especial, e me mostrou uma dedicatória da mãe”, lembra Daniele.
Dias depois, Daniele estava organizando os livros de Ana quando encontrou uma carta entre as páginas do livro com a dedicatória. “Era um adendo àquela dedicatória, que a avó de Ana fez para ela quando nasceu”, disse a dona do sebo. Daniele procura até hoje por Ana Paula, para entregar a carta ainda não lida.
O Sebo Praia dos Livros está localizado na Rua Alceu Wamosy, número 34, São Paulo, a dez minutos da estação Ana Rosa, na linha azul e verde do metrô.
Marcelo Livros
Ao lado do metrô Ana Rosa, na estação Paraíso, está localizado o Marcelo Livros. E foi no viaduto do paraíso que Marcelo Souza, proprietário do sebo, montou a loja em 2015. A partir daí, andar pelo local é fazer um passeio cultural.
Os livros são expostos no decorrer do viaduto, dando um respiro em meio à tanta correria do dia a dia. Antes de vender livros, Marcelo trabalhava com reciclagem e, certo dia, encontrou um exemplar que deu origem ao próprio negócio.
Além de dinheiro, os livros deram Penélope a Marcelo, sua atual mulher. “Ela estava andando pelo viaduto e viu o livro 1984, de George Orwell”, lembra Marcelo. “Começamos a conversar sobre esse e outros títulos. Faz cinco anos que estamos juntos.”
Diferentemente dos grandes sebos, o Marcelo Livros é quase 100% formado por doação. Durante a pandemia, o proprietário comprou uma banca de jornal que ficava no mesmo local. Agora, ele ainda expõe os livros na calçada, mas também tem diversos títulos dentro da banca. Por dia, o sebo vende entre 80 e 100 livros — é possível comprar três por R$ 1.
O Marcelo Livros está localizado na Rua do Paraíso, número 141, São Paulo, a dez minutos da estação Paraíso, na linha verde e azul do metrô.
Leia também: “O passado chegou”, artigo de Dagomir Marquezi publicado na Edição 112 da Revista Oeste
Acho que faltou mencionar, o sebo Catedral dos livros, onde o proprietário tem uma história de 50 anos trabalhando no ramo. Vale apena conferir o sebo e sua historia.
Este texto trouxe-me alguma melancolia, pois levou-me à São Paulo dos anos sessenta, ainda estudante, e assíduo frequentador desses mágicos espaços num dos quais adquiri a Trilogia do Exílio de Oswald de Andrade, que ainda conservo com as folhas amareladas pelo tempo. Parabéns pelo texto.
Olá, Deraldo. Fico feliz que tenha gostado. Forte abraço
No Brasil, só não lê quem não quer.
Obrigada “Oeste”, já tenho um grande motivo pra visitar São Paulo.
Cara Alice, obrigado pela leitura e pelo comentário. Você vai gostar de ir a esses locais. Forte abraço
A reportagem deveria ter ido a Livraria Calil Antiquaria o maior acervo de livros raros em São Paulo, na Barão de Itapetininga.
É sempre um prazer encontrar o Sr. Messias cuidando com tanto empenho e carinho, do seu negócio. Sempre que estou pela região arranjo tempo para dar uma passada por lá.
Desculpem, mas voltando ao assunto tem uma cena impactante do filme ‘Dreamers’, de Bertolucci, na qual o francês expressa sua admiração por todos terem um livro na mão (livrinho vermelho do Mao), durante a Revolução Cultural, ao que o americano retruca: sim, mas são todos o mesmo livro.
Alguém tem o Livro Vermelho (pensamentos do pres Mao) em português?? Eu tenho.
Maravilhoso constatar que existe um grande grupo de seres humanos que tem por hobby o incremento intelectual! Principalmente nos dias de hoje onde presenciamos a demolição proposital da cultura. 👏👏👏
Me meti a entendido e mencionei os incunábulos para um sujeito que comercia livros raros, mas ele me fulminou: livros antigos não são livros raros.
P.S.: alguém tem o vol 2 do ‘Lições de Clinica Chirurgica ‘, do Visconde de Saboya???