Há mais ou menos 12 anos, o Brasil redescobriu G. K. Chesterton por meio de sua tríade crítica Ortodoxia, Hereges e O homem eterno. Isso foi muito impulsionado pelo florescimento do conservadorismo político e pelo crescente retorno dos católicos romanos à uma ortodoxia de fé, pautada essencialmente pela eleição de Bento 16 ao posto de sumo pontífice.
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O escritor britânico foi um convertido e audacioso defensor da filosofia do senso comum e do tomismo como base sólida para a teologia católica. A maior parte de sua obra consiste em ensaios esparsos, um deles, em especial, chamou minha atenção há nove anos, quando me graduava em filosofia e escrevia meu trabalho de conclusão de curso sobre o pensamento metafísico de Chesterton. O ensaio em questão chamava-se The Barbarism of Berlim. Eu o li, num primeiro instante, em inglês mesmo, pois demorei a saber que existia uma tradução para o português do ensaísta conservador brasileiro Gustavo Corção, intitulada A barbárie de Berlim, essa primeira edição brasileira datava de 1946, da Livraria Agir.
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Neste mês, tive o enorme prazer de trazer para o público brasileiro uma nova edição dessa importante obra de Chesterton pela LVM Editora. A barbárie de Berlim conta agora com uma introdução feita por mim, além do texto original e integral de 1914. Além disso, há uma nova tradução feita pela doutora Roberta Sartori e notas feitas por mim e pela referida tradutora.
O primeiro impacto com a obra de Chesterton
Já naquele primeiro contato na universidade, o texto me impactou muito, pois apresentou-me a tese de que a Alemanha — por vezes chamada “Prússia” no texto —, na Primeira Guerra Mundial, defendia ser a nação iluminada que traria uma espécie de avanço e pureza à Europa. Era aquilo que Chesterton chamou, no ensaio, de “barbarismo positivo”.
A ideia de que eles trariam o terror da guerra como uma mensagem a fim de levar a civilização a um novo patamar humano por meio de seu nacionalismo e ciências fez Chesterton notar um padrão bárbaro de ação. Mesmo ainda que se apresentasse vestido com trajes nobres e discursos eloquentes de uma Prússia autoconfiante demais para estar errada.
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Para Chesterton, poucas coisas revelam mais o atraso e o impulso anticivilizacional do que a soberba de pensar que um conjunto de princípios pré-fabricados e um punhado de exércitos compostos por homens ideologicamente cegos são capazes de mudar as estruturas éticas de uma civilização, de reconstruir a humanidade somente porque eles acham que deve ser assim. Diz Chesterton:
Estamos falando de algo que está deliberadamente em guerra com os princípios que viabilizaram a sociedade humana até aqui. É claro que, até para destruir a civilização, é preciso ser parcialmente civilizado. Uma tal ruína não poderia ser provocada por selvagens pouco mais que subdesenvolvidos ou ociosos. Não poderíamos sequer ter os hunos sem cavalos; ou cavalos sem a equitação. Não poderíamos sequer ter os piratas dinamarqueses sem navios, ou os navios sem a navegação. Essa pessoa, a quem posso chamar de Bárbaro Positivo, deve ser um pouco mais superficialmente atualizada do que aquela que posso chamar de Bárbaro Negativo.
Recordando-me até onde tais ideologias chegaram no século 20, eu sentia calafrios na biblioteca da Faculdade Dehoniana de Taubaté.
Uma análise da Alemanha
O livreto foi escrito em 1914, e Chesterton morreu em 1936, apenas três anos após a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha. Nesse sentido, o livro obviamente analisa um nacionalismo e uma ideologia anteriores ao nazismo, anteriores mesmo à terra arrasada do final da Primeira Grande Guerra. Ali, logo no início da Primeira Guerra, Chesterton já notara com clareza o germe de um monstro que dali há uns 25 anos eclodiria num dos maiores e mais bizarros morticínios que a modernidade viria.
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Porém, seria puro anacronismo imputar ao ensaísta inglês uma previsão exata do que aconteceria com o advento de Hitler, faltariam vários elementos para isso, mas também seria um erro não dizer que foi ele um dos primeiros a denunciar o que a ideologia alemã significava num plano geopolítico e moral maior. Seu alerta não foi para 1914, mas para os anos que viriam. Por isso, afirmo em minha introdução que, apesar de A barbárie de Berlim ter sido escrito em 1914, poderia tê-lo sido em 1945, depois da queda do nazismo. Ou em 2023, quando a contemporaneidade parece voltar a buscar em ideologias totalitárias uma espécie de sanitização civilizacional e moral para que seus mundinhos fofos e multicoloridos floresçam sem oposições.
E a chegada de Hitler ao poder?
Chesterton não previu propriamente Hitler e o nacional socialismo, mas conectou — ainda em 1914 — os pontos ideários que o ditador sanguinário usaria logo mais como arrimo e combustível político. E aí está a capacidade analítica única de Chesterton. Tradicional demais, antiquado demais, demasiado católico e gordo, mas também um gênio.
Sabem por que eu resolvi propor à LVM a reedição dessa obra? Pois consigo vislumbrar hoje certas características denunciadas por Chesterton naqueles dias, o “progressismo” e seu identitarismo têm características que beiram àquilo que Chesterton denunciava em A barbárie de Berlim. A massificação mental, a busca da destruição da ética tradicional como método para o surgimento de uma nova humanidade idealizada — por vezes, denominado de “desconstrução” —, a demonização do oposto como menos civilizado, menos digno, como o feto ou o judeu, por exemplo, e não, não estou falando do judeu em 1939, em Cracóvia, mas do judeu em 2023, em Israel e em partes da Europa.
O “progressismo” denunciado em A barbárie de Berlim
Mas o principal, o “progressismo” promete ser o defensor primário daquilo que ele é sempre o primeiro a atacar, diz ser o representante da democracia, mas defende déspotas sanguinários que compartilham suas visões ideológicas e, na primeira oportunidade, buscam na ditadura sua muleta de coerção política. Diz lutar pela liberdade e diversidade, mas tapa a boca dos dissidentes, constrói muros jurídicos para os diversos, sequestra a liberdade de expressão e sufoca quaisquer oposições que ousem contestar suas visões de mundo. Como dizia Chesterton a respeito da Prússia:
E o paradoxo da Prússia é este: embora os seus príncipes e nobres não tenham outro objetivo nesta terra senão destruir a democracia onde quer que ela se apresente, eles conseguiram se convencer de que são não os guardiões do passado, mas sim os precursores do futuro. Eles mesmos não acreditam na popularidade da sua teoria, mas acreditam que ela é progressista.
Chesterton é um colosso genial ainda pouco investigado e buscado no Brasil. Talvez aquele que via no louco uma sanidade e ortodoxia maior do que nos intelectuais universitários, aquele que prestava atenção primeiro no senso comum da dona Ana do que nas estatísticas imponentes dos doutos. O que confessamente prometeu morrer defendendo os antiquados conjuntos de costumes e moralidades que faziam da humanidade um grupo digno. Talvez seja nele que esteja aquela sensatez e equilíbrio que tanto buscamos nos “especialistas”.
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Ainda sobre o escritor britânico
Quando a humanidade está diante de um mal político disfarçado de boas intenções, geralmente não são os tubos de ensaios e as teses acadêmicas que notam o mal escondido, mas sim a clareza moral dos homens que não tiveram medo de ser antiquados diante daquele maldito “progresso” que só faz regredir. “O mundo gira, mas a cruz continua firme, inabalável”, diz o lema da ordem dos Cartuxos. Da mesma forma, as ondas ideológicas rebentam contra os homens de tempos em tempos, mas somente aqueles que se negam à sedução da utopia e à soberba do poder permanecem sãos ao final.
Chesterton não foi apenas um dos que permaneceram incrivelmente lúcidos ante às ideologias modernas. Foi também um daqueles distribuíram pílulas de sanidade para o seu tempo e para o nosso. A barbárie de Berlim, com certeza, é uma cartela cheia delas.
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Muito bom!
Excelente artigo!
Leiam Chesterton!