A fraqueza moral dos poderosos quase sempre se manifestou na ânsia do controle dos discursos e opiniões na sociedade. Nada mais assustador a um ditador que a liberdade alheia de criticá-lo e desmascará-lo ante a plebe submissa, mas com potencial de motim. A tentação da coerência suprema, da massificação das ideias em torno de uma agenda, ao longo da história, afetou tanto a direita quanto a esquerda. Por isso, quando olhamos de forma sincera para a história, principalmente pós-Revolução Francesa, notamos que, quase unanimemente, aqueles que empunharam o cetro da governança tentaram, em alguma medida, diminuir a ressonância de ideias oposicionistas. Isso lembra-me a famosa frase de Lord Acton: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. É uma das verdades políticas mais cortantes que existe, uma verdade que vem sendo confirmada cada dia mais. Tendemos, também, a esquecer aquilo que Douglas Murray, em A Guerra Contra o Ocidente, nos alertou com veemência: a liberdade de expressão a todos, sem amarras e edições dos poderes do Estado, o próprio Estado sob império das leis, e a economia de mercado livre são vitórias grandiosíssimas da democracia liberal ocidental, em especial no Reino Unido e nos Estados Unidos a partir do século 19. Esse legado de liberdade e segurança, paz e oportunidades, é fruto de um labor histórico, cultural e político feito do afastamento dos poderosos do poder absoluto; aliás, a primeira regra de defesa de uma democracia é justamente esta: afastar com vigor, sempre, todos que se arvoram ao poder autoritário sem freios.
É bem verdade que esse roteiro não é completamente linear, e, em determinados momentos, tivemos essa democracia liberal e suas liberdades mais ou menos ameaçadas; mas é fato que, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se mais ou menos senso comum, até mesmo entre a esquerda menos afetada, que as liberdades de expressão, crença e associação eram pilares irremovíveis de quaisquer democracias — em especial, no Ocidente. No entanto, hoje é fato que esse senso comum, a defesa de tais pilares da democracia liberal, não é mais cultuado — pelo menos não pelos progressistas, a variante academicamente alvejada dos comunistas radicais de outrora.
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A crescente pressão do STF brasileiro e do governo federal em prol da regulação das mídias, proposta essa envolta numa bruma de suposta segurança social, nada mais é que do que as antigas propostas fascistas e comunistas com glitters e discurso fofo. Aquilo que Rod Dreher, em seus ensaios, chama de “totalitarismo suave”, uma espécie nova de ditadura feita sem os coturnos e as baionetas militares, sem um ditador vestido de farda, mas com restrições tão ou mais agressivas que as das ditaduras tradicionais. A pergunta urgente, hoje, não é “como as democracias morrem”, pois os unicórnios entusiastas de autocracias que fazem essa pergunta mal sabem diferenciar um ditador de um apontador de lápis, a pergunta fulcral é antes: “como se vestem as novas ditaduras”, é aí que está a questão fundamental de nossos dias, e a resposta é relativamente simples a um bom observador. As ditaduras hoje usam vestes de democracia, maquiam-se com uma falsa liberdade, coroam-se de uma falsa tolerância, perfumando-se com falsos discursos de progresso.
As ditaduras híbridas
Há muitos indicativos de uma migração política mundial da democracia liberal para aquilo que chamo de Democracia Tarjada; ao invés de uma política que prioriza o indivíduo e suas liberdades como direitos fundamentais, vamos rumando para uma democracia que usa do aparato estatal para restringir indivíduos que destoam de um agenda comum, aparato de censura esse que é normalmente gerenciado em esferas não democráticas — quem decidiu, afinal, que orçamentos colossais de impostos vão para o combate ao aquecimento global, ou à intolerância de gênero? Você? É a população que está pedindo regulação das redes sociais ou os ministros supremos do Supremo e políticos de situação?
Rod Dreher, em seu livro Totalitarismo Suave — que, na verdade, é uma reunião de ensaios seus que trata do tema do neototalitarismo —, afirma acreditar que as punições nesse novo totalitarismo passarão por duas vias: pela criação e implementação de créditos sociais, ao estilo chinês, que permite ao Estado gerir sua vida econômica, dando incentivos a quem se adequa à agenda e punições àqueles que a transgride; e por leis que punem discursos que incitam ou meramente critiquem as ações do governo progressista de instante, prendendo reincidentes e, quiçá, até pior, relembrando os métodos soviéticos de outrora. Ou seja, por meio de restrições econômicas em cadeia e controle social dos discursos, o neototalitarismo agirá não pela força policial, mas pelas restrições econômicas e sociais crescentes. O indivíduo assim deixa de ser um ente autônomo para ser, no sentido literal do termo, um ente do Estado. Obviamente que, num primeiro instante, esse controle se daria no âmbito da internet, pois é mais global e estrategicamente fácil. É menos impopular expulsar o X e o Telegram do país do que usar uma polícia secreta para invadir lares na madrugada ou prender em massa estudantes e professores em universidades. Mas não se iludam, afirma Dreher, isso não significa de forma alguma que eles não estão dispostos a fazer tais coisas também, apenas cuidarão para que a ditadura se apresente mais suave a quem veja.
Tudo isso, há 10 anos, soaria como teoria da conspiração. Eu mesmo, um cético cansado de profecias políticas, seria um dos primeiros a desencantar os panfletários do apocalipse. Mas acontece que, a cada dia mais, vejo o real nascimento desse modelo híbrido de democracia/ditadura, aquela democracia que te oferta sim a liberdade de ter redes sociais — porém, controladas —, segurança financeira — relativa, é claro —, propriedade privada — sob o controle do Estado, obviamente — e até mesmo determinada liberdade de opinião — conquanto que não passe dos limites pré-estabelecidos, de críticas a determinadas ideias e instituições.
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Escritor do bestseller internacional Live Not by Lies: A Manual for Christian Dissidents, traduzido recentemente no Brasil pela editora Alta Cult como Não Viva uma Mentira: um Manual para Dissidentes Cristãos, Rod Dreher é uma das vozes conservadoras mais proeminentes do debate cultural norte-americano atual; desacreditado como fundamentalista cristão, conservador protofascista, entre outros termos cansativos do progressismo atual, é na verdade um homem de visão política e cultural a frente de seus dias, que acredita que os conservadores terão de construir um forte cultural para aguentar as marés progressistas e totalitárias que se achegam, tendo de manter não só a mente sã, mas o espírito resoluto em tempos de neoniilismo. Seus livros, em especial Totalitarismo Suave, parece ter sido escrito para o Brasil atual, um dos textos mais urgentes dos nossos dias. Cada página virada uma correspondência alarmante com o Brasil salta das páginas. Calma, pois, apesar do tom apocalíptico — que confessamente não gosto —, há em Dreher sempre uma fagulha do “o que fazer então”, isto é, um incentivo inteligente de resistência, fazendo do norte-americano, não um derrotista ou pianista de náufrago, mas um competente analista pessimista que, no fim, sempre guarda para si um subconsciente de luta típica dos esperançosos. Está aí um livro para seu final de semana, conservador!
Me incomoda ouvir de um “Libertário” a expressão “progressista”, pra se referir a um comunista, nazista ou socialista, que é tudo a mesma coisa…. : Propõe a destruição da sociedade livre.
Vdd tudo bonitinho como Democracia fosse. A estrutura demoníaca da ditadura tem STF, PGR, Discurso Democrático…