Na internet, as redes sociais são uma extensão das relações humanas. Elas dispensam a presença física do interlocutor e, por isso, favorecem a espontaneidade. Porém, a facilidade de se comunicar nem sempre é positiva. Isso porque no ambiente virtual as pessoas têm liberdade para serem também intolerantes. Mas as vantagens equilibram tudo.
A internet livre promove o debate de ideias, o entrechoque de opiniões e a defesa de pontos de vista. Isso faz das redes sociais um ambiente propício para a oxigenação da democracia. É melhor vigiar o comportamento dos influencers, daqueles cujas opiniões têm o poder para induzir comportamentos e tomadas de decisões. Assim, o que preocupa é a conduta dos poderosos, não das pessoas comuns.
Para falar sobre a realidade das redes sociais, convidamos Israel Simões. Baseado em Vitória, Espírito Santo, Israel é mestre, especialista e pesquisador do comportamento humano com 10 anos de experiência. Ele participou de diversos projetos como consultor de equipes multiprofissionais — desde equipes de empresas a atletas de alta performance.
Em 2016, a atuação de Israel como gestor ajudou a Associação Olímpica Britânica a conquistar o histórico segundo lugar nas Olimpíadas do Rio 2016. Pelos resultados positivos de seu trabalho, ele foi premiado em duas categorias na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
Confira a entrevista completa.
O discurso de que a internet livre favorece o ódio tem algum embasamento na realidade?
Eu começaria essa conversa indo na contramão do discurso oficial de que as redes sociais são um ambiente perigoso, que disseminam o ódio e o cancelamento de reputações. Balela. Eu provavelmente não teria conhecido o professor Olavo de Carvalho se não fossem as redes sociais. Nem o Jordan Peterson, nem o Flavio Morgenstern, nem vocês da revista Oeste. Não teria visto aquela provocação maravilhosa da Ana Paula Henkel contra as cubanas no Grand Prix de 96, porque naquela época eu ainda não assistia vôlei. Mas hoje temos o YouTube para registrar esses momentos históricos. As redes oxigenam a democracia, favorecendo o diálogo e o surgimento de comunidades mais pautadas por uma cosmovisão comum do que pela convivência, pela vizinhança. Hoje eu escolho os amigos que quero manter independentemente de onde moram, porque são pessoas que amam as mesmas coisas que eu e rejeitam as mesmas coisas que eu. Se há uma mudança, eu destacaria o aspecto positivo. Com as redes temos novas formas de sabermos mais da vida uns dos outros, do que as pessoas do nosso círculo social pensam, das diferentes possibilidades de estilo de vida, até do que os poderosos andam fazendo e como isso atinge cada um de nós e as nossas famílias.
Na internet, o potencial negativo das relações entre as pessoas pode ser amplificado? Por quê?
Sim, vamos falar do potencial negativo. O problema da internet é que ela dá voz aos fracos; às pessoas que, no mundo físico, não teriam voz. Quem é fraco, carente ou pouco dotado de inteligência não consegue se sobressair nas relações pessoais porque elas envolvem presença, postura, gesto, porte e força de forma geral. Na internet esse jogo é reduzido a texto escrito e manipulação de imagens. Nós vemos pessoas completamente incapazes de vencer um debate de ideias ou de liderar um movimento de rua com uma enorme audiência, porque elas falam na frente da câmera com teleprompter e uma edição de imagens tecnicamente perfeita. Então o jogo político e social acaba sendo dominado por quem tem dinheiro e um bom agenciamento, enquanto muita gente inteligente fica fora do debate.
Quais são as principais características positivas e negativas do comportamento do cidadão médio nas redes sociais? Esse comportamento é predominantemente negativo? Por quê?
O cidadão médio tende a agir nas redes socias exatamente como age na vida presencial: defende as suas ideias sem muito engajamento, xinga quem pensa diferente, dá boas risadas e segue a vida. Devemos nos preocupar mesmo é com os poderosos e como eles usam as redes sociais. São os políticos, os metacapitalistas e os acadêmicos que têm domínio sobre a tecnologia e os recursos de manipulação psicológica da audiência. Inclusive, os jovens universitários que não pagam para estudar e tem tempo de sobra para ficar na internet militando são os mais perigosos, porque são pouco instruídos e muito engajados no debate público da internet. Eles me preocupam muito mais do que os tios do WhatsApp.
Hoje fala-se muito de intolerância nas redes. Nesse contexto, será que a internet não serviu apenas para evidenciar uma tendência latente à intolerância?
Sim, é natural as pessoas não tolerarem quem tem pensamentos e um estilo de vida completamente diferentes dos seus. E no mundo físico essa organização da vida social flui melhor. Os rockeiros se juntam nos shows de rock; os marombeiros, nas academias; os gays, em certos barzinhos descolados; os religiosos, nas igrejas. A internet mistura tudo. Os campos de comentários são verdadeiras zonas de guerra entre pessoas que jamais sentariam em uma mesa para debater. É isso que dá a impressão de maior intolerância, mas ela é compensada pela falta da presença física. Pela internet as pessoas não batem, não matam, então o dano potencial do conflito ali é bem mais fraco. Mais um motivo para deixarmos a coisa correr solta, sem regulamentação. Agora uma observação importante: perceba que, ao longo da entrevista, eu estou contrapondo mundo virtual a mundo físico. É errado falar mundo virtual versus mundo real. A internet também é mundo real, apenas menos dotado da materialidade física da convivência pessoal.
![comportamento redes sociais](https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/11/Redes-Sociais-.jpg)
Quanto à realidade política do Brasil, há diferença no comportamento daqueles que são pró ou contra o atual governo na internet? Por quê?
Há 10 anos eu diria que a esquerda estava mais articulada em mobilizar grupos de pressão na internet. Eles tinham a mídia oficial ao lado deles e artistas que serviam de garotos propaganda de suas ideias, como atores de novelas e cantores da MPB. Com a ascensão de um grupo de alunos do professor Olavo de Carvalho à classe intelectual falante, o jogo mudou. A direita passa a ter porta-vozes de peso. Depois o movimento político em prol da candidatura de Bolsonaro à presidência fomenta essas agremiações de militantes no campo conservador. Hoje eu diria que o jogo está mais parelho, de novo, graças às redes sociais, porque a grande mídia continua majoritariamente defendendo posições políticas de esquerda. Mas na internet vemos tanto no lado conservador quanto progressista a produção de trends, memes, viralizações, cancelamentos e os comportamentos ditos mais intolerantes. Não creio que dê para caracterizar um comportamento padrão que seja exclusivo dos que são pró ou contra o governo. Seria apostar demais na sociologia. O jogo ainda é marcado pelas individualidades e elas são diversas, em ambos os campos políticos.
As redes sociais também podem amplificar estereótipos? De que forma a imagem do conservador e do progressista, especialmente entre os jovens, é prejudicada?
Sim, pelo fato de que as redes trabalham muito com imagens, e com a evolução dos diversos recursos tecnológicos de manipulação da imagem, certos estereótipos podem ser cristalizados na mente dos jovens sem qualquer profundidade de informação, de formação intelectual. São tantas manchetes e memes produzidos com a cara do Bolsonaro que ele acaba encarnando a figura do homem conservador. Da mesma forma o Lula com o progressismo. Mas existem conservadores que não são militares nem políticos de carreira. Da mesma forma existem progressistas infinitamente mais inteligentes e interessantes do que o Lula. Se não há necessariamente uma superficialização das relações humanas, em termos de referenciais, sim, estamos criando heróis e vilões que não merecem esta posição.
A atual realidade do comportamento das pessoas nas redes sociais indica um futuro desfavorável para a convivência na internet? Há solução para tal problema?
Depende de quais ideias irão prevalecer em nossa sociedade. Quem defende as virtudes humanas, o respeito, o amor, a honestidade vai fazer da internet um espaço riquíssimo de convivência. Agora existe uma turma que diz ser do amor, mas que defende ideias intrinsicamente intolerantes, que na experiência concreta e histórica da humanidade promoveram segregação, violência e miséria. O fator determinante aqui não é estarmos dentro ou fora da internet, mas que tipo de cosmovisão, de mentalidade estamos escolhendo para conduzir as ações humanas, independentemente do fórum de discussão. Ideias boas produzem boas ações. Ideias más produzem ações perversas. Com ou sem internet. Hoje sabemos o que acontece no mundo, as grandes decisões políticas, as mudanças culturais, e temos espaço para nos manifestar e sermos ouvidos. Duas décadas atrás o debate público se dava entre um pequeno grupo de jornalistas e intelectuais que tinham acesso à grande mídia, enquanto o povo constituía apenas uma grande massa espectadora. Os políticos e os artistas precisam dar mais satisfações.