Qual é a relação entre política e cultura? Estamos no meio de uma guerra cultural? Como se defender? Como atacar? Convidamos um especialista para nos ajudar a entender essa realidade.
André Assi Barreto é graduado em filosofia (USJT), mestre em filosofia e doutorando em filosofia; e licenciado em história e geografia. Atua como professor de filosofia nas redes pública e privada de São Paulo. Ele também é editor, tradutor, palestrante e revisor, mas não só.
Nosso entrevistado é autor de Entre a Ordem e o Caos: Compreendendo Jordan Peterson (2021), Os Fundamentos do Globalismo: as Origens da Ideia que Domina o Mundo (2022), O que a Filosofia Não É (2023) e coautor de Saul Alinsky e a anatomia do mal — no prelo.
Na entrevista, Barreto afirma que “não existe guerra cultural sem cultura”. Falando sobre a realidade brasileira, o mestre em filosofia é direto: “O quadro brasileiro se resume a ignorantes ou golpistas”.
Confira abaixo os principais trechos da conversa.
O atual estado da cultura no Brasil é problemático? Por quê?
Sem dúvida nenhuma. Isso é mais problemático do que parece. Mesmo gente que alega estar preocupada com a crise cultural nacional, o faz da boca pra fora. Não se esforça para adquirir cultura, quer apenas faturar em cima do fato, pagando de coach “instagrameiro” pra vender curso e fazer caixa. Voltou à tona a expressão “guerra cultural”, um tipo de expressão-gatilho, como “salvar o Brasil” ou “resgatar a civilização Ocidental”. Pois quantos desses estão estudando filosofia grega? Lendo Platão? A maioria esmagadora está nas redes sociais, bancando pitonisas da ciência política e fazendo clickbait. Não existe guerra cultural sem cultura, e o quadro brasileiro se resume a ignorantes ou golpistas.
Sob o ponto de vista político, o Brasil também vive um momento problemático?
Essa é até mais fácil e certamente mais evidente. E, sem querer parecer profeta do caos ou trombeteiro do apocalipse, não vejo qualquer horizonte de melhora. Antes do retorno do PT ao poder, fiz uma série de afirmações que estão espalhadas por aí: eles voltam, mas dessa vez é pra ficar e não sair mais. A “máquina de moer do sistema” se aprimorou e deixou todos que pretendam “dançar contra a música” calados, presos ou mortos. Aquele tipo de experiência de 2013 nunca mais vai ocorrer. O sistema se protegeu, qualquer coisa próxima daquilo será criminalizada como “atentado contra a democracia” ou “proliferação de fake news”.
Há alguma relação entre a cultura e a política no Brasil atual?
Nesse caso nem se trata de Brasil, que é um pobre coitado importador do lixo internacional, como wokeísmo e suas variantes (teoria de gênero, cancelamentos, dívida histórica, politicamente correto, pronome neutro). É assim para todos e sempre foi assim, como preconizava a frase do poeta austríaco Hugo von Hofmannsthal: “Nada está na política que antes não esteja na cultura”. Se na economia querem que o Brasil divida a riqueza que, ao contrário dos países desenvolvidos, nunca foi criada, na cultura — que reflete na política — não há pedra sobre pedra que resista aos modismos “progressistas” importados que citei. E, quando se pensa nisso, fica mais claro o estado de coisas na política.
De que forma essas dificuldades podem ser superadas?
A fórmula, em si, não é difícil. O problema é gente — e gente com coragem — para aplicá-la. Nietzsche dizia que nessa seara da cultura em geral não existe vácuo, o espaço sempre será ocupado por alguém ou alguma coisa. A superação seria produzir coisa concorrente, com bons valores, atrelada a tudo que sempre foi considerado culturalmente bom, belo e elevado. Mas, como não tem quase ninguém fazendo isso, os espaços seguem ocupados por quem, pelo menos, está se dispondo a fazer, mesmo que fazendo lixo. Esse é um problema para conservadores em geral, que não querem meter a mão em lama alguma, ficam apenas reagindo e protestando “contra tudo que está aí”. O máximo que ocorre, quando muito, é trocar um lixo cultural por outro. A galera do conservadorismo prefere ficar falando em doutrinação nas escolas e nas universidades, mas não forma um professor conservador. Aí, só sobram os da concorrência mesmo.
Um esclarecimento político pode vir por meio da cultura?
Diria que só pode vir por meio da cultura. Se nada está na política sem antes estar na cultura, o jeito é pôr as rédeas nela. Mas, aí, temos de considerar os problemas que citei acima.
A cultura no Brasil atual é decadente? Por quê?
Creio que a coisa seja tão grave que esteja quase abaixo do decadente, beirando a nulidade pura e simples, caso pensemos em cultura no sentido apropriado do termo. Já passei da fase de enaltecer nomes ou empreendimentos individuais como contraexemplos esperançosos — embora eles existam, é claro. É decadente porque não existe produção genuína de cultura brasileira. O que existe é a importação de lixo tóxico, especialmente norte-americano — deliciosamente deglutido, para surpresa de ninguém, pela esquerda supostamente antiamericana. A revolução cultural das décadas de 70, 80 e 90 pavimentou o caminho exatamente para isso. Um diagnóstico que se assemelha ao de Harold Bloom para a cultura norte-americana, também na década de 80, com a ressalva que lá a oposição a isso existe, mesmo que respirando por aparelhos.
Quais personalidades da literatura e da filosofia podem ajudar o leitor brasileiro a superar todas essas dificuldades?
Como disse antes, existem nomes individuais que estão remando contra essa maré. Sem nenhum tipo de autocongratulação patética, meus modestos esforços vão nesse sentido, inclusive com o meu mais recente O que a Filosofia Não É e o que Fizeram Dela no Brasil. Também aprecio muito o trabalho acadêmico de professores e amigos, como Flavio Gordon, Joel Gracioso e outros que certamente peco por esquecer os nomes. Historicamente falando e pensando em termos de algo genuinamente brasileiro e de valor, não posso deixar de citar nomes como os do padre Henrique Lima Vaz, Mario Ferreira dos Santos, Vicente Ferreira da Silva, Gustavo Corção, José Pedro de Galvão e Sousa e o saudoso Olavo de Carvalho.