Das muitas coisas que me espantam nessa dita geração Z, com certeza a mais assustadora é ver que os jovens ainda acreditarem no Estado como provedor amigo. Desde que me dispus a ler os liberais clássicos, muito por birra e afrontosa oposição aos meus professores socialistas da faculdade, lá em 2013, sinceramente jamais consegui encontrar sequer um bom argumento para acreditar, ou melhor, confiar no Estado. Em todo lugar, através de toda a história moderna do dito Estado-Nação, há uma rixa constante entre as liberdades fundamentais dos indivíduos e a sanha do controle estatal. Do lado dos liberais, temos provas históricas incontáveis de que o acúmulo de poder num Estado impreterivelmente gerará tirania e destruição social; do lado dos estatistas, por sua vez, sempre há somente as mesmas promessas desenhadas em cartolinas retóricas, com os mesmos mundinhos perfeitos rabiscados por ideólogos profissionais.
Demoramos muito para chegar ao “Estado Democrático de Direito”, a garantia jurídica de que a democracia é mais do que mera terminologia filosófica para inspirar militantes ocos. Tal “Estado Democrático de Direito”, em suma, garante que o poder estatal não ultrapassará certos limites, entre eles, o principal: os direitos básicos de liberdade dos indivíduos. Há aí o que os ingleses, aos poucos, a partir do século 12, aos trancos e barrancos, foram criando na política moderna, aquilo que julgo ser a maior invenção em matéria política de todos os tempos: a criação de freios institucionais e culturais ao poder político de Estado. Esse freio age como uma espécie de antídoto que começou lá com a Carta Magna inglesa de 1215, passando pelas garantias acordadas depois da Revolução Gloriosa e culminando em tratados como o Dos Espírito das Leis, de Montesquieu, e Dois Tratados sobre o Governo Civil, de John Locke.
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Toda evolução histórica da política moderna se faz na esteira da tentativa de controlar o poder absoluto, seja de quem for — do rei, do presidente ou do papa. Entre conservadores moderados e liberais sensatos do século 17 a 19, existia uma espécie de concordância panorâmica quanto ao absolutismo político: dever-se-ia freá-lo e criar-se sistemas para impossibilitar o advento desses leviatãs. A desconfiança ante o Estado e os detentores do seu poder foi a constante da modernidade; desconfiar não só dos ditos “poderosos”, mas antes do próprio poder político foi o que gestou a concepção moderna de democracia e garantias de liberdades que todos, suponho eu, gostamos. O ceticismo ante o Estado, temperado com o objetivismo jurídico em garantir as liberdades individuais de todos, foi a tônica de um iluminismo político real e bom que modificou nossa percepção de política até os dias atuais. Não à toa, Mussolini, para Montesquieu, seria uma bizarrice a ser parada; Marx, para Voltaire, não passaria de um teórico alucinado por uma ditadura para chamar de sua.
A crença no Estado nunca esteve tão em alta
Hoje o mundo todo se volta para a direção contrária dessa tendência liberalizante. Nunca o estatismo esteve tão em alta, nem mesmo em dias como o da Guerra Civil Espanhola e das tensões da Guerra Fria. O que explica isso? Pessoalmente tenho alguns insights com relação a isso.
Quando Aldous Huxley escreveu seu famoso Admirável Mundo Novo, por algum motivo, ele deduziu que existiriam ditaduras que se imporiam não pela bota dos tiranos militarizados, tal como Stálin e Hitler, mas sim por meio do controle da comodidade geral dos cidadãos; a fagulha para o totalitarismo do futuro, parece nos dizer Huxley, será a ânsia desmedida por conforto e prazer. Com certeza ele foi muito mais perspicaz, em um sentido futurista, do que Orwell e seu 1984. Esse último hoje nos soa mais como um documento histórico e crítico, enquanto Admirável Mundo Novo soa-nos ainda como uma descrição detalhada do agora e do que está por vir. O sumo da crítica de Huxley — se é que ele quis fazer uma crítica social — é que haveria uma ditadura que não precisaria necessariamente ser imposta, mas seria consentida, quiçá, pedida pelos indivíduos. A troca seria simples: um Estado gigante garantiria as benesses de sempre dos poderosos, e, do outro lado, doaríamos de bom grado nossas liberdades gerais em troca de prazeres acessíveis e confortos crescentes. A guinada prevista, por fim, seria que deixaríamos de olhar com desconfiança para os poderosos e o Estado, passando a clamar por eles a fim de termos uma sensação de segurança e garantias de conforto e prazer. Passaríamos, assim, não só a não rechaçar o Estado, como adorá-lo.
Você acha isso estranho? O dito “Estado de bem-estar social” é isso na prática; ações como salário universal, ideias quase lunáticas de serviços públicos prometeicos chovem nas mídias e nas produções acadêmicas. Estamos, na realidade, vivendo uma reforma do sentido de democracia, onde o “Estado Democrático de Direito”, que servia basicamente para assegurar a autonomia dos indivíduos, está sendo trocado por um “Estado de bem-estar social”, onde o indivíduo dá lugar ao colosso estatal, que passa a ser empoderado por uma massa acéfala e sem brio moral. Em A Busca da Justiça Cósmica, Thomas Sowell afirma: “Não só a justiça cósmica difere da justiça tradicional, e entra em conflito com ela, como também, e de modo mais significativo, a justiça cósmica é irreconciliável com a liberdade pessoal baseada no estado de direito”. Justiça cósmica, para Sowell, é a tendência progressista de tentar sanar toda e qualquer desigualdade e diferença social nos mínimos detalhes, é o progressismo utópico em ação, é o Estado de bem-estar social.
Muitas são as causas, e um artigo só não daria conta de desenvolver tudo com completude. Mas a junção de uma geração Z acomodada nas plumas preguiçosas de tecnologias imbecilizantes, unida a um corpo de intelectuais sedento por usar a sociedade como massinha de modelar para suas teorias de gabinete, está transformando todo o Ocidente numa espécie de brisa de alucinógeno que jamais cessa. A política deixou de ser o melhor ajuste possível para ser um tubo de ensaio para engenheiros de paraísos políticos e bilionários com sanha de poder como jamais vimos.
O jovem médio, impotente ante a realidade, incapaz de lidar psicologicamente com a frustração da derrota e da perda, guiado por sentimentos mesquinhos e vontades egocêntricas, encontra refúgio no prazer momentâneo, uma interrupção ilusória de sua insignificância consentida. Incapaz de encontrar a realização por meio do mérito, lidar com a ansiedade causada por sua preguiça, nem com a dificuldade natural de uma vida em sociedade, ele busca, como um viciado, soluções miraculosas que anulem os naufrágios de sua inaptidão básica de viver num mundo que não se importa com seu drama matutino.
Ora, em tempos que não precisamos mais sequer levantar para pegar o controle remoto, ir ao interruptor para acender a lâmpada, nem mesmo sair de casa para conquistar uma dama, a toada dessa geração é obviamente o conforto e o prazer constante sob o menor esforço possível. E os engenheiros de mundinhos perfeitos e os bilionários sedentos por poder entenderam bem isso; e nem sou eu exatamente quem digo tudo isso: Huxley já dizia antes de mim…
Em uma sociedade assim, clamar por um pai que se concentre em rotineiramente sanar nossos desejos, ou em um Estado que tem por missão garantir minha subsistência e prazer a um custo qualquer, é claramente o maior bem a ser buscado. Hoje, entre aqueles adeptos à ideologia do fracasso consentido, via primeva do progressismo global, o Estado não só virou um aliado, mas um deus. Não só devemos engrandecer o Estado, como dar a ele tudo que temos e somos, pois ele garantirá o que queremos: conforto e sensações gostosas. Obviamente que sempre haverá exceções, mas num mundo de massas, exceções são o que são, meras exceções, são aqueles que ainda terão que trabalhar duro e, necessariamente, continuarão sendo calados à moda tirânica antiga, pela coesão da força e ameaças constantes.
A troca, assim, é simples: “me dê sua alma e eu lhe darei tudo que precisa e quer”, nos diz o progressismo. Eis renovada a promessa de satanás a Jesus à beira da pirambeira: “Está vendo tudo isso? Você teria que lutar muito para tê-lo com seus esforços, mas não precisa ser assim… Sabe aquelas riquezas, prazeres e confortos, eles serão todos seus, apenas se entregue, não resista.”
O Estado provê, o Estado tudo proverá. Sua benesse não faltará. Essa poderia ser uma oração ateia matutina da geração woke; a geração ocidental que achou bom negócio vender a sua alma por um beijo de prazer e 33 moedas de conforto.
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Excelente texto Pedro. Parabéns