Lembro-me que quando li A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, senti aquela fisgada intelectual, um tanto soberba, que todo bom jovem liberal sente ao lê-la: “O Estado é o culpado pela desgraça social dos indivíduos.” E é verdade, em inúmeros sentidos — contando sempre, é claro, com nossas próprias tolices e sandices nesse processo —, que o Estado tende a ser sempre um peso no pé do nadador que tenta não submergir no mar de tolices políticas, mesquinharias partidárias e da burocracia estafante. Não sou um objetivista, isto é, seguidor da filosofia de Rand, mas não preciso sê-lo para admirar o edifício lógico e filosófico que ela erigiu contra o Estado e o coletivismo. Como digo sempre aos meus amigos: “Nem sempre concordamos com Rand, mas é sempre difícil dizer por que não.”
Dito isso, devo confessar que Rand e demais libertários dos séculos 19 e 20, como Murray Rothbard, em Anatomia do Estado; Ludwig von Mises, com As Seis Lições; e Frédéric Bastiat, com A Lei, soam muito mais críveis em tempos de desastres — infelizmente —, pois os desastres mostram sem enfeites que as promessas de zelador e o bom pai que o Estado engendrou em nós com seu mito do “contrato social” não passam de discurso de rapina, e dos mais fuleiros. Depois das cheias bizarras dos rios no Sul do país, o que conseguimos notar de forma clara na tragédia, por meio de inúmeros relatos e imagens postados com abundância nas redes sociais, é a capacidade de organização voluntária e natural da sociedade civil. Os indivíduos, independentemente de quaisquer outros definidores que possam separá-los em tempos de castas e grupelhos ociosos, estão todos naturalmente unindo-se para ajudar o Rio Grande do Sul.
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Isso me fez lembrar outro liberal — o principal deles, Adam Smith —, que, em sua Teoria dos Sentimentos Morais, afirmou que naturalmente nos sentimos unidos aos demais indivíduos da comunidade, que há em nós uma espécie cola moral de interações em sociedade, ou seja, uma empatia e sociabilidade perene em nossa espécie. Os indivíduos tendem a procurar o bom convívio, a ajudar e a construir elos numa sociedade livre, seja por interesse mesquinho, por virtude ou por qualquer outra coisa. Sem demandar muitos porquês, a maioria se anela e se sustenta em tempos de crise. É o que constatou também a historiadora Gertrude Himmelfarb em seu, infelizmente não traduzido, Poverty and Compassion: The Moral Imagination of the Late Victorians [em tradução livre, Pobreza e Compaixão: A Imaginação Moral dos Vitorianos Tardios]. Afirma ela que, quando os indivíduos se encontravam sob uma administração menos intervencionista e menos tendente a promover o dito “bem-estar social”, na era vitoriana tardia, as pessoas naturalmente buscavam suprir as necessidades dos mais pobres e desafortunados; isso não quer dizer, mostra a historiadora, que todos os males dos infelizes fossem sanados e que tudo fosse socialmente perfeito naqueles dias, mas que, quanto menos o Estado buscava promover a virtude da caridade por meios oficiais coercitivos, taxativos, mais os indivíduos se sentiam moralmente impelidos a ajudar e praticar as tais virtudes sociais.
Não estou falando de utopias e nem vou acabar o ensaio pedindo o fim do Estado em prol de uma sociedade de Teletubbies libertários. E é bom salientar que, em momentos de calamidade, sempre surgem os bandidos aproveitadores, os carniceiros de oportunidade; mas, no geral, foquemos agora na união popular que está despontando naturalmente no Sul do país. O fato observável nesses últimos dias é: a sociedade civil, ou melhor, os indivíduos, quando cooperam livremente, são mil vezes melhores que o Estado. Nesta última semana, quando o brasileiro descobriu que o Estado efetivamente não serve para quase nada, teve que arregaçar as mangas, calçar suas botas e buscar seus meios de ação, em suma, fazer ele mesmo. E está aí a lição número um do liberalismo: no fim, só podemos contar conosco e com os poucos que nos cercam. O Estado não é e nunca será um pai. O que seria das Forças Armadas e auxiliares sem a força civil voluntária — refiro aqui aos cidadãos propriamente ditos — no Rio Grande do Sul? E sem desmerecer os fardados que diuturnamente doam suas vidas, pergunto sinceramente: quem primeiro se mobilizou para ajudar, para chegar às localidades distantes que nem tais forças de Estado chegavam se não o vizinho mais próximo e mais apto a ajudar, o amigo de bairro que não podia esperar as assinaturas e permissões dos burocratas moralmente obesos, ou mesmo um estranho qualquer com impulsos morais e virtudes heroicas?
Os pequenos pelotões
Acredito no indivíduo como detentor de poder moral para decidir bem seus rumos, mas acredito também, como conservador, que tais indivíduos têm missões, gostos e referências em comum, influenciados por tradições e percepções morais da realidade, e, quando querem se unir para festejar uma vitória ou debater uma ideia, jogar futebol ou doar sopas a moradores de rua, eles criam pequenas organizações mais importantes e adaptáveis que quaisquer aparatos estatais artificiais. Atualmente, por exemplo, eu faço parte de um grupo de editores de livros conservadores, de cachimbeiros do Vale do Paraíba, mas, se destrinchar mais um pouco, perceberão que faço parte também de grupos católicos tradicionais, de filósofos conservadores e até mesmo de futebolistas de joelhos sofridos. Tudo isso o pai do conservadorismo, Edmund Burke, em suas Reflexões Sobre a Revolução na França, chamou de “pequenos pelotões”. Isto é, indivíduos unidos sob uma ideia ou gosto comuns que, independentemente do Estado e suas diretrizes, conduzem, ajudam e promovem voluntariamente na sociedade civil; “pequenos pelotões” esses que, ao se unirem a outros “pequenos pelotões”, formam um grupo a fim de fazer algo que a realidade demanda. E o melhor: geralmente pensam como indivíduos, e não como burocratas; agem pragmaticamente e não politicamente.
Sem que um motim fosse conclamado, sem que uma revolução aflorasse em nossas ruas, os brasileiros, independentemente de suas visões políticas, mostraram a todos que a seiva do liberalismo político, isto é, a organização natural dos indivíduos, é muito mais efetiva e factual do que o Estado e seus aparatos. Conversando com um amigo que está na linha de frente, ele me disse por telefone: “Ninguém aqui está esperando o Estado ou os bombeiros; na maioria dos casos, as pessoas estão se juntando em caravanas a fim de buscar sobreviventes com o que têm à disposição”. Isso acontece em dois momentos: quando o Estado colapsa, ou quando o homem percebe que deve e pode fazer mais, independentemente dos órgãos oficiais. Mais liberal que isso, mais humano que isso, impossível.
Menos Estado, mais indivíduos
Os livros citados acima cumprem o propósito desta coluna, e meu texto ressoa aquilo que esses livros e seus autores há muito nos alertavam: os homens são capazes de se organizarem livremente em prol de suas necessidades e demandas, sem que uma babá abstrata interfira em todo e qualquer aspecto das relações humanas. Pelo menos nos últimos 300 anos, esses pensadores liberais vêm nos alertando que, em questão de efetividade e resultado, a organização civil é muito mais confiável, ágil e capaz que qualquer Estado. Una-se a isso as iniciativas privadas que colocam suas quantias, bens e disposições a serviço público e temos uma via alternativa ao Estado; podemos nos emancipar mental e socialmente dessa muleta/encosto político que nos assombra diariamente.
O Estado, por fim, é um conglomerado afeito a rodapés políticos e penduricalhos jurídicos que, no fim, forma algo abstrato e estranho à nossa consciência; ele aparece a nós sob uma feição de borrão contraditório, feito de teoria desencarnada e força bruta real; a sociedade civil organizada, por sua vez, é a simples e direta união orgânica de indivíduos, com rostos, jeitos, problemas, esforços e vozes características e singulares de seres humanos; eles, em suma, têm faces de humanidade em vez de uma máquina estranha bufando fumaça velhaca e promessas mentirosas.
Parabéns, Brasil! Força, caros gaúchos! Depois que esse lamaçal for lavado, os mortos enterrados, as construções refeitas e a moral reerguida, teremos um país de homens e mulheres comuns com insígnias eternas de heroísmo.
Leia também: Estado fracassado, artigo de Silvio Navarro, publicado na Edição 216 da Revista Oeste.
Foi necessário uma catastrofe para o brasileiro finalmente entender que o governo é simplesmente um enorme parasita que explora toda a população para benefício próprio, vivem em glomorosas mansões palaciais as nossas custas.
Finalmente o povo deixou de perguntar ao governo: “O quê você pode fazer por mim? Em vez disso passou a pensar: O quê posso fazer por mim e por outros”. Neste contexto podemos dizer que as palavras mais terrorizantes do idioma Portugues são: “Eu sou do governo e estou aqui para ajudar”. Você já sabe, um parasita se aproxima e sua intenção é confiscar os frutos do seu trabalho.
E para finalizar, como disse a escritora Ayn Rand: Liberdade = Não perguntar nada. Não esperar nada. Não depender de nada.
A menor minoria do planeta é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem pretender ser defensores das minorias
E o POVO que está RECONTRUINDO O R GRANDE DO SUL SE DEPENDER do GOVERNO FEDERAL já sifu todo mundo FAZUELI ….
Não gosto do José Serra por motivos que não cabem comentar neste espaço. Contudo, uma frase dele eu concordo. Indagado certa vez por um repórter sobre o papel/tamanho do Estado, Serra respondeu mais ou menos assim: “… nem Estado Máximo nem Mínimo, somos a favor do Estado “Necessário”…”. Taí uma fala que eu particularmente concordo. Difícil, mesmo, é achar/chegar a esse equilíbrio entre o “Máximo” e o “Mínimo”.
👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏BRILHANTE ARTIGO. O Brasil está acordando.
O Estado maximo não parece ser uma crença sincera de seus defensores, mas sim um cenário para que possam sobreviver muito bem sem a necessidade da eficiência e da virtude em cargos e salários imerecidos. Além da tara pelo autoritarismo e da censura. O que fariam muitos destes sem o Estado empregador?
O estado serve sim. Para cobrar impostos, esbanjar dinheiro e nos censurar.
Um artigo do bom senso. O Estado não é pai dos cidadãos. Na melhor das hipóteses, um padrasto gastador e beberrão. Em Nova Roma do Sul, a população cansada de promessas, se reuniu, se organizou, e construiu a ponte que as águas levaram. A ponte está lá. Continua lá. Firme e forte. Mesmo a maior tragédia não conseguiu a façanha. Fico pensando, que se todos os impostos que caem no cofre de Brasília, ficasse em cada município, o Brasil de hoje seria uma Suíça. E poderias dispensar 39 ministérios com suas pastas, secretarias e autarquias. Dispensar a metade do Congresso Nacional. E as toga superiores se limitariam ao seu salário, sem aditivos, sem privilégios e com cinco assessores cada um. Toda a assessoria faraônica seria dispensada. O que anima a escrever isso é o livro de Claudia Wallim, “Um País Sem Excelências e Mordomias. Na Suécia os políticos e os juízes ganham pouco, andam de bicleta, cozinha sua comid, lavam e passa suas roupas”.
Isso ficou claro nessa tragedia do RS
Concordo plenamente! Quanto menos governo melhor! O governo só atrapalha, imposto e mais imposto só para manter as ratazanas cada vez mais gordas! No dia em que nossa classe política pensar neste país abrindo mão de todas as benesses que tem, pode ser que o país decole!
Lamento pelo País e pelos brasileiros! Vcs estão incentivando a divisão e o conflito político num momento caótico, quando deveriam estar pregando a distensão e a união. Vcs estão se igualando ao Lula/esquerda É por esse tipo de abordagem que justifiquei a recusa da proposta que recebi da empresa para trocar a assinatura anual pela assinatura de 10 anos.
Parabéns Garoto! Exatamente assim mesmo. O Estado arrecada, aniquila, maltrata o cidadão e quando demandado, enrola, diz coisa com coisa, demanda mais e mais impostos sobre quem já não aguenta, não suporta mais pagar!
Essa tragédia está provando que o estado retrogrado mais atrapalha! Hora de gritar liberdade!
Precisamos de deseleição, basta a lógica da nulidade, maioria e arbítrio livre
Ficou constatado que o estado não passa de um pai alcolotra, não quer perder a autoridade, não sabe resolver os problemas até porque não reconhece os problemas, vende tudo e gasta mal.A melhor solução e não depender deste estado, simplesmente se libertar dele