No ano passado, assistimos a um dos mais covardes e assustadores ataques terroristas em décadas, perpetrado em Israel. Talvez, desde o 11 de setembro de 2001, nenhum ataque tinha alcançado tal extensão e crueldade.
+ Leia mais notícias de Cultura em Oeste
Atualmente, Israel está em firme combate contra o grupo terrorista Hamas, sendo que a intenção declarada do país judeu é extirpar tais terroristas da localidade, o que os “progressistas” veem com maus olhos — é claro. Aliás, depois do ataque de 7 de outubro, grande parte de influencers, comentaristas, especialistas, jornalistas e políticos de esquerda, de forma mórbida e completamente imoral, apoiaram abertamente — ou de forma velada — o ataque terrorista a Israel. Como dizia Santo Agostinho, a ambiguidade, as meias palavras, no combate ao mal, por vezes é pior que a adesão aberta a ele, ao lavar as mãos Pilatos não deixou de ser menos covarde e mal que os açoitadores do Cristo.
Existem bons livros que nos contam porque a esquerda mundial adere de forma tosca e idiota ao grupo terrorista, como A Face Mutável do Antissemitismo: dos tempos antigos aos dias atuais, de Walter Laqueur e A Indústria de Mentiras: a mídia, a academia e o conflito árabe-israelense, de Ben-Dror Yemini, ambos lançados pela Editora É Realizações. Mas hoje venho falar da republicação de um dos livros que mais me impactaram lá, em 2015, quando o li pela primeira vez, Filho do Hamas: um relato impressionante sobre terrorismo, traição, intrigas políticas e escolhas impensáveis, de Mosab Hassan Yousef e Ron Brackin. Geralmente digo isso ao fim do artigo, mas neste já me adianto, esse é, de fato, um livro para ser lido nesse momento.
Leia mais:
Mosab é, nada mais, nada menos, que o filho do xeique Hassan Yousef, um dos fundadores do Hamas, que depois de um ataque falho a Israel como soldado do Hamas, comumente movido naquele momento por ideias religiosas e políticas extremistas, que desde a mais inocente idade foi enfiada em sua psique, se viu preso pelo Exército de Israel. Depois de ser continuamente interrogado e torturado pelas Forças de Defesa de Israel, o alto comando do Exército israelense vê a oportunidade de usar Mosab como espião e colaborador do país judeu e, em troca da sua liberdade, ele escolheu atuar como agente duplo.
Sobre o livro do “filho” do Hamas
O livro não deixa muito claro se, no instante da proposta de Israel, Mosab já se via minimamente em conflito com as ideias que, mais tarde, fariam dele um defensor das políticas e posturas ocidentais, mas é evidente que as recorrentes mortes de inocentes, de ambos os lados, pesaram em sua reflexão. A intenção inicial de Mosab — diz o próprio autor — era aceitar o recrutamento, por meio do agente de inteligência do serviço secreto israelense Gonen ben Yitzahk, para depois se vingar de Israel e de seus interrogadores. Todavia, durante os meses de prisão, posteriormente ao recrutamento, Mosab afirma, no livro, que paulatinamente sua visão hostil sobre Israel foi se dissolvendo, e que a postura religiosa e fanática do islamismo do Hamas começou a parecer sem sentido e até mesmo “odiosa” a ele.
“Os detalhes e vias que ele tomou como espião de Israel são incrivelmente intricados”
Pedro Henrique Alves
Quando o serviço secreto israelense o libertou, Mosab já não ansiava mais se vingar de Israel, algo havia mudado profundamente em sua percepção religiosa e política daquele constante conflito. Assim, durante anos, ele foi espião de Israel no seio do Hamas, compartilhou informações fundamentais para que as forças israelenses prendessem inúmeros soldados e oficiais do Hamas, além de antever e desmantelar tentativas de ataques terroristas. Em meados de 2007, após dez anos como espião de Israel, Mosab se tornou cristão e imigrou para os Estados Unidos, revelando-se ao mundo como dissidente confesso de um dos mais temidos grupos terroristas do mundo.
Leia também: “Hamas usa vídeo para anunciar morte de reféns”
Esse é um dos livros que facilmente vocês encontrarão em forma de palestras no YouTube. Recentemente, inclusive, o autor esteve aqui no Brasil para palestrar. Assisti duas vezes às suas palestras, além de ter lido duas vezes o seu livro — uma em 2015 e outra no fim de 2023. Confesso que o livro continua sendo melhor que suas exposições orais. Os detalhes e vias que ele tomou como espião de Israel são incrivelmente intricados. Afirmo isso pois seria muito fácil escolher o vídeo à leitura, e confesso que não raro os vídeos e filmes de livros são mais tentadores mesmo, mas, nesse caso específico, isso não é uma verdade.
A Editora Sextante, impulsionada pelo ataque do Hamas a Israel e a resposta do país judeu aos terroristas islâmicos, republicou o livro sobre a vida de Mosab Hassan Yousef que há muito estava esgotado no mercado — e vinha sendo vendido a preços altos em sebos do país, nada como a velha lei da oferta e da demanda. A edição é de 2010, é competente e enxuta, ao que conta não houve atualização editorial nenhuma no texto, apenas reimpressão e recolocação no mercado livreiro.
Ainda sobre Mosab e outra sugestão de leitura
Restringi-me intencionalmente a falar o básico da biografia de Mosab, pois esse é um dos livros que não merecem spoilers, e se você é um daqueles leitores que não se contentam com resumos, fica o convite para ler Filho do Hamas. Eu não poderia terminar esta resenha sem citar outra grande e pouco conhecida obra chamada O Preço a Pagar, de Joseph Fadelle, um ex-soldado xiita, nascido em berço aristocrático, que se converteu ao catolicismo e contou sua saída do islã no referido livro.
“[Importante] saber de alguém de dentro do Hamas como as coisas realmente funcionam, como eles pensam o mundo e agem social e culturalmente”
Pedro Henrique Alves
Em semelhança está o fato de que tanto Fadelle quanto Yousef são vistos hoje como grandes traidores de uma fé, de uma cultura, de um berço. Essas são histórias de indivíduos corajosos que viram as virtudes do Ocidente e como, nessa luta, tanto bélica quanto cultural, apenas um lado prioriza a liberdade de crença, de expressão, que tem como princípio a dignidade humana e a possibilidade de uma ampla tolerância social.
Muitos livros de especialistas estão sendo escritos nesse momento para dar conta, principalmente, das nuances históricas e políticas do atual conflito em Gaza entre Israel e Hamas. Igualmente importante é, porém, saber de alguém de dentro do Hamas como as coisas realmente funcionam, como eles pensam o mundo e agem social e culturalmente, tal como um nativo que conhece de cor a geografia de suas terras e a linguagem de seu povo. Para isso não poderia haver alguém “mais de dentro” nesse contexto do que Mosab Hassan Yousef.
Leia também: “Acusar Israel de ‘genocídio’ é uma vergonha para a humanidade”, artigo de Brendan O’Neill, da Spiked, na Edição 200 da Revista Oeste
E mais: “Brendan O’Neill, editor da Spiked: ‘Estamos numa nova era de irracionalismo”, por Bruno Lemes
Reporto um erro no subtítulo: a palavra “porque” foi usada indevidamente, quando o correto teria sido “por que”.