Em 1964 os Beatles já eram os músicos mais admirados do mundo. Resolveram dar o grande salto: conquistar a América. Assim que chegaram a Nova York, às 13:20 do dia 7 de fevereiro, encontraram um estado de histeria permanente especialmente entre as jovens fãs, numa gritaria que não acabava. Paul McCartney sugeriu que aquele estado de excitação poderia ser uma catarse do trauma provocado pelo assassinato do presidente John Kennedy, ocorrido apenas 77 dias antes.
A passagem dos Beatles pelos EUA foi registrada em filme pelos irmãos Albert e David Maysles e agora transformada no documentário Beatles ’64, produzido por Martin Scorcese e dirigido por David Tedeschi (disponível pela Disney+). Alguns trechos de shows são apresentados, como a lendária apresentação no Ed Sullivan Show, que atraiu 73 milhões de espectadores. Mas a música aqui não é o destaque.
Beatles ’64 vale mais pelo registro da intimidade de John, Paul, George e Ringo em sua aventura americana que durou duas semanas. É impressionante observar o que eles tiveram que aguentar, sempre sorrindo. Um radialista ganhou (ninguém sabe como) o direito de permanecer no quarto deles perturbando os quatro com as perguntas mais idiotas do mundo. A parte mais desagradável aconteceu numa recepção na embaixada britânica em Washington, quando os quatro foram tratados como lixo e tiveram que sair no meio.
O documentário mostra também a atuação de uma imprensa esnobe, querendo se levar extremamente a sério. Um deles pergunta a Paul McCartney: “Qual a importância dos Beatles para a cultura ocidental?” (Resposta de Paul: “Você está falando sério?”) Outra pergunta: “Todas a suas canções possuem um tema básico ou uma história básica ou uma mensagem?” (John Lennon responde: “Não”). No dia seguinte às entrevistas os quatro rapazes de Liverpool tinham que ler os comentários destrutivos sobre eles publicados pelos jornais. Como “vingança”, John andava com um radinho de pilha. Todas as vezes que ele ligava o rádio estava tocando “She Loves You”. A América estava conquistada.
Mas nada tira o humor e a humildade dos quatro, que partem como chegaram, se misturando aos passageiros em aviões da Pan American. É um contraste brutal com os dias de hoje quando uma artista medíocre como Taylor Swift é tratada como uma semi deusa e um rapper de quinta como Sean Combs comete crimes em série achando que vai permanecer impune por causa da fama.