Criados para o clássico filme O Mágico de Oz (1939), os sapatos de rubi se tornaram um dos itens mais icônicos da história de Hollywood. A relíquia foi leiloada por R$ 170 milhões no último sábado, 7, nos Estados Unidos.
No livro original, Dorothy usava sapatos prateados, mas a decisão de alterá-los para rubi foi estratégica. A Technicolor, tecnologia inovadora na época, permitia que cores vibrantes brilhassem na tela. Os designers do filme, portanto, optaram por transformar os sapatos em algo visualmente mais impressionante.
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Gilbert Adrian, lendário figurinista da MGM, foi o responsável pela criação dos sapatos. Ele escolheu uma base de couro vermelho, sobre a qual foram costuradas milhares de lantejoulas rubi. Além disso, completou o design com um laço decorado com pedras falsas.
Os sapatos desempenham um papel central na narrativa do filme. Eles são entregues a Dorothy (Judy Garland) depois da morte acidental da Bruxa Malvada do Leste e se tornam um símbolo de poder e proteção.
Além de ser um objeto de desejo, o par de sapatos também representa a jornada pessoal de Dorothy e sua capacidade de encontrar o caminho de volta para casa, pois bastavam três batidas de salto para realizar o desejo.
Um tesouro esquecido às traças
Vários pares de sapatos de rubi foram produzidos para o filme, como era prática comum em Hollywood para garantir substituições em caso de desgaste durante as filmagens. Pelo menos cinco pares são conhecidos hoje, mas acredita-se que outros possam existir. O par mais famoso é aquele exposto no Instituto Smithsoniano, mas nem sempre foi assim.
Em 1969, o antigo sistema dos estúdios desmoronou sob o controle de Wall Street, e a MGM foi vendida ao magnata Kirk Kerkorian. Ele não se importava com a história de Hollywood, queria apenas o terreno do estúdio, onde pretendia construir enormes condomínios. Antes disso, o empresário precisou esvaziar o conteúdo dos galpões.
Por apenas US$ 1,5 milhão, o veterano leiloeiro David Weisz comprou tudo o que está armazenado lá, como navios, trens, tanques, aeronaves, carros, móveis, adereços e figurinos de 50 anos de cinema.
Neste cenário, surgiu o jovem nova-iorquino Kent Warner, fã ávido da Era de Ouro de Hollywood e conhecedor da história do cinema. Ele chegou a Hollywood na década de 1960, quando conseguiu um emprego em uma locadora de figurinos. Assim, presenciou os estúdios jogarem fora suas próprias histórias.
Warner começou, então, a resgatar figurinos de forma clandestina, desde vestidos de Ginger Rogers até casacos de Clark Gable. Ele foi reconhecido por salvar as roupas da destruição e as preservar para a posteridade histórica. No começo de 1970, Weisz contratou Warner para organizar a vasta coleção de figurinos da MGM, cerca de 350 mil peças separadas, e preparar um leilão.
Até hoje, ninguém sabe exatamente quantos pares dos sapatos de rubi ele realmente encontrou, mas foram pelo menos quatro. Primeiro, Warner levou todos os sapatos para casa, examinou cada um, juntou os pares e decidiu como irá distribuí-los. Ele entregou um par ao leiloeiro e deixou a entender que era o único existente.
Em maio de 1970, o par de sapatos de rubi que Kent Warner entregou para o leilão da MGM foi vendido a um comprador anônimo por US$ 15 mil. A notícia se espalhou rapidamente pelos Estados Unidos.
Na época do leilão, Kent Warner vendeu silenciosamente um par dos sapatos de rubi — o par leiloado nesta semana — para Michael Shaw. Em 1979, o comprador anônimo dos sapatos do leilão da MGM doou o par para o Instituto Smithsonian, onde eles permanecem até hoje.
O roubo dos sapatos de rubi
Um dos eventos mais dramáticos sobre os sapatos de rubi foi o roubo de um par emprestado ao Judy Garland Museum, em 2005. Os ladrões quebraram o vidro da vitrine e desapareceram com os sapatos na calada da noite.
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Durante mais de uma década, o caso permaneceu sem solução, o que gerou especulações sobre o destino dos sapatos. Alguns acreditavam que eles haviam sido contrabandeados para o mercado negro de colecionadores clandestinos. A recuperação ocorreu em 2018, graças a uma denúncia anônima e a uma operação do FBI.
O perito forense Randy Struthers analisou cada cena do filme em que os sapatos aparecem, quadro a quadro, por meio de tecnologia de alta definição. Com base em diferenças sutis, Struthers determinou que o par encontrado foi usado por Judy Garland em diversas cenas do filme.
O criminoso foi identificado como Terry Jon Martin, hoje com 77 anos. Ele foi indiciado em maio de 2023 e, cinco meses depois, confessou o crime e admitiu ter usado um martelo para invadir o museu e quebrar a vitrine que guardava os sapatos. Em janeiro deste ano, Martin teve sua pena extinta por causa de seus problemas de saúde.
Item foi leiloado por R$ 170 milhões
O par de sapatos de rubi foi vendido por US$ 28 milhões, equivalente a R$ 170 milhões, em um leilão realizado nos Estados Unidos no último sábado, 7. Quando é somada a comissão do leiloeiro, o valor total gasto chega a US$ 32,5 milhões.
A Heritage Auctions, casa de leilões responsável pela venda, estimava que os sapatos arrecadariam pelo menos US$ 3 milhões. Os lances on-line começaram no mês passado e, na sexta-feira 6 já atingiam US$ 1,5 milhão.
“É difícil encontrar algo mais desejável neste campo do que esses sapatos de Rubi”, afirmou a Heritage. “Vivem no coração de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo e serão o ponto central de qualquer coleção.”
A casa descreve os sapatos como um par de saltos de seda vermelha, com parte superior e saltos cobertos por seda com lantejoulas costuradas à mão. No forro interno de couro branco de ambos os sapatos, está inscrito o nome “Judy Garland”, escrito em letras maiúsculas com tinta preta.
Como afirma Rhys Thomas, autor do livro The Ruby Slippers of Oz (sem tradução no Brasil), os sapatos de rubi “transcenderam Hollywood, a ponto de representarem a poderosa imagem de inocência para toda a América”.
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