Se pudéssemos resumir de forma bem simplória — mas, ainda assim, fiel — a tese primordial da Escola Austríaca de Economia, poderíamos dizer que é o imperativo de que quaisquer aspirações à planificação central das vontades e escolhas humanas correm rapidamente ao encontro do fracasso econômico. Ao mesmo tempo, massificam os indivíduos por meio do sempre recorrente autoritarismo estatal. Tal imperativo se alarga e nutre infindáveis abordagens nas ciências humanas e econômicas, da praxiologia, conceituada no canônico livro de Ludwig von Mises Ação Humana, à interessantíssima e ainda pouco conhecida no Brasil, “teoria da eficiência dinâmica”, de Huerta de Soto.
Independentemente do que pensamos da Escola Austríaca, de seus desenvolvimentos teóricos e de seus súditos defensores, parece-me salutar nos rendermos à verdade de que poucos ‒ para não dizer “quase nenhum” — dos grandes institutos e escolas defenderam tal fato humano como os austríacos. Aliás, me parece serem poucas as certezas realmente comprovadas nas ciências humanas como a realidade de que todos os planejamentos de controle central da sociedade e da economia falharam, e continuam falhando, miseravelmente — e “miserável”, aqui, não foi um adjetivo a esmo. Experiência após experiência somos lembrados de que as escolhas, aspirações e ações dos indivíduos são, ao final, realmente livres e, por isso, não totalmente controláveis e categorizáveis.
Talvez os exemplos mais certos, ao mesmo tempo que abjetos, foram as duas grandes ideologias assassinas que a humanidade abarcou no século passado, nazismo e comunismo. Mises bem sabia disso, o momento de mostrar até onde podem ir os planificadores em busca de seus ideais abstratos era justamente aquele, a era dos extremos políticos. Em Governo Onipotente, Mises tem um dos seus momentos mais didáticos e lúcidos, não que em outros muitos livros ele não tenha reunido tais características, mas nesse referido livro eles aparecem límpidos até mesmo para aqueles que não são simpáticos às suas conclusões.
Mises analisa aqui, primordialmente, como o liberalismo alemão, tão estruturado, bem construído sobre uma filosofia sólida, degringolou para um nacionalismo cada vez mais romântico e utópico, encontrando no nacional socialismo, uma ideologia tão confusa quanto mítica, a expressão de segurança e desejo de uma nação ressentida de seus erros e perdas. Nesse escrito, a originalidade de Mises está em perceber que a eterna análise histórica de que o nazismo surgiu e cresceu — quase que exclusivamente — a partir do rancor e da lambeção de feridas causadas pela Primeira Guerra Mundial é uma visão parcial e que pouco explica. O liberalismo alemão, afirma Mises, vinha abdicando de seus valores primordiais, adulando o Estado, quando não, instigando-o a administrar setores da sociedade gradativamente mais amplos em troca de ordem e segurança, na crença fundamental e pueril de que somente com governos fortes — e com “fortes” entenda-se “grandes” — e capazes de gerenciar os aspectos do cotidiano familiar e até mesmo individual. Somente assim alcançariam a tão sonhada paz e estabilidade. Mises argumenta que essa mentalidade, gestada não somente do rancor e mágoas, foi a fresta por onde entrou o incenso da insanidade política, a brutalidade ideológica.
Dividindo o livro em quatro partes, 1 – “O Colapso do Liberalismo Alemão”, 2 – “Nacionalismo”, 3 – “O Nazismo Alemão”, 4 – “O Futuro da Civilização Ocidental”, o autor desdobra um plano íntimo da história do século XX. Mises nos mostra que, apesar das diferenças teóricas e míticas que há entre as ideologias totalitárias do século XX, a crença comum que sustenta todas elas é a de que o Estado grande e massivo é a única alternativa para a ordem e a paz da nação; da economia à moral social, das preferências mercadológicas do indivíduo às crenças políticas e religiosas mais íntimas das famílias, em todos esses aspectos somente haverá algum resquício de cosmopolitismo e ordem social se o Estado gerenciar tudo isso através de seu olhar onisciente e braço onipotente.
Assim sendo, segundo Mises, o estatismo é comprovadamente o núcleo político mais danoso e perigoso para a humanidade. Tanto o nacionalismo quanto o comunismo são estruturas que se fiam na mesma mentalidade: a dependência moral, política e econômica de um planejador central. Fascismo, nazismo e comunismo são filhos de uma mesma ideia, a saber, controle estatal da vida comum. Eles usam o mesmo aparato político para gerenciar o poder, assim como para administrar suas doses de despotismo, o Estado. Como disse Vladimir Tismăneanu em Do comunismo, nazismo e comunismo são filhos do mesmo útero, consequências de um mesmo mal. Mises já havia estudado e percebido isso muitas décadas antes, a primeira edição de Governo onipotente é de 1944, Hitler sequer tinha sido vencido quando Mises expôs o núcleo nefasto da sua máquina totalitarista; Stálin estava em plena atuação expurgativa quando, nos Estados Unidos, Mises já dissecava a estrutura nefasta do estatismo comunista.
Lançado em sua primeira edição brasileira pela editora LVM, em 2021, no clube de assinatura Ludovico, com ótima tradução de Pedro Sette-Câmara, o livro é um daqueles espólios raros de uma mente genial que durante décadas a fio deixamos passar como se ele simplesmente não existisse. A pergunta sincera que resta, então, ao findar a leitura relativamente ardilosa de Governo onipotente, é a seguinte: como pudemos passar tanto tempo sem conhecer um livro tão essencial e profundo sobre um tema tão explorado.
Dessa forma, a saga filosófica de Mises, transformada naquela ideia primordial da Escola Austríaca, é colocada nesse livro de forma definitiva: um Estado grande inevitavelmente será autoritário em algum aspecto, pois pressupõe a troca da autonomia individual pelo planejamento central da máquina pública, e, quando aliado a uma ideologia assassina, se torna um Estado genocida. Ou seja, Estados grandes tendem ao autoritarismo, assim como sociedades autoritárias pressupõem Estados grandes que sustentem seus atos opressivos. Independentemente de sua visão política, isso é uma lógica que o século XX provou de forma irrevogável.
A única maneira de evitarmos plenamente o mal do totalitarismo é diminuir drasticamente o poder do Estado, aumentando a responsabilidade e autonomia dos indivíduos; em suma, a receita contra o fascismo e o comunismo, já explicava Ludwig von Mises, em 1944, é desidratar o Estado e fortalecer o indivíduo, empoderar as instituições e grupos sociais enquanto, ao mesmo tempo, desacredita publicamente as ideologias e ideólogos extremistas.
De fato, meus caros, após finalizar a leitura, notamos claramente que o Brasil necessita infinitamente mais de Mises do que de Marx.
Leia também: “Três mitos sobre Marx”, artigo de Phillip Magness publicado na Edição 170 da Revista Oeste
Se são exatamente iguais, por que o partido comunista permanece nos regimes democráticos?
Prezado Antônio, partidos de esquerda (socialista e comunistas), nos dão a chance de discutirmos ideias mais amplas, e de seguir, cada um, aquilo que mais acredite ser o melhor para a sociedade.
As minhocas, os micro organismos do solo (fungos, bactérias e vírus – microbiotas do solo) trabalham nos ciclos vitais para o crescimento das plantas e da vida animal. Portanto são essenciais para a vida no Planeta, aeram e oxigenam o solo, descompactam-no, permitem a percolação de água e nutrientes, o esgotamento e a filtragem de resíduos até as bacias subterrâneas, etc…
São assim importantes: Lula, Dilma, Alexandre de Moraes, barroso, Lewandowski, Dória, Fachin, Dino, Luiz Felipe Salomão, Gleisi Hoffmann, Talitha, Lindbergh Farias, Tabata, …, pois numa Democracia plena, os de espectro político contrários, teriam, também, livres manifestações em prol de nossa percepção e compreensão!
Pelo exposto, com o que concordo como análise conclusiva, o absolutismo, totalitarismo e ditadura, ocorre em consequência da incapacidade do indivíduo e sociedade constituída se entenderem como proativas no que diz respeito à Justiça, ao desenvolvimento e a harmonia (paz). Dessa forma, o indivíduo vai abdicando de sua responsabilidade passando assuntos a ela relacionados aos cuidados do Estado, e cada vez mais perdendo liberdades, independência, autonomia e soberania. Concomitante, obviamente, o Estado vai crescendo e o poder instituído (democrático ou não), passa a ter mais peso; é o desequilíbrio entre as forças (partes) do Contrato Social! É nessa loucura que surgem os tiranetes, i.e., Alexandre de Moraes, Lula, Dino, Barroso, …, bem como seus reféns; nós o povo!
Muito boa orientação. Não entendo como em um regime democrático, uma das teorias nacionalistas é aceita como partido politico e outra não. Afinal, ambos não exterminaram milhões de pessoas e tiveram lideres genocidas? No meu entender, nos regimes democráticos em que o poder do ESTADO é limitado, não deveria haver nenhum partido que ostente esse nacionalismo radical.
O Nao acho q Estado Grande. Autoritariamo sempre tem a anuência das Supremas Cortes e/ou Forças Armadas. E nosso regime tá unidos nesse sentido.
Precisamos de Mises mais do que nunca.
Parabéns ao articulista Pedro Henrique Alves e à Revista Oeste pelo excelente artigo. Mais indivíduo, mais liberdade com responsabilidade e menos estado, menos tutela, é o que precisamos urgentemente para não aprofundarmos o país no totalitarismo.