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Esculturas de Karl Marx, do artista Ottmar Hörl, na Alemanha | Foto: Shutterstock
Edição 170

Três mitos sobre Marx

Apesar da pressão de intelectuais de esquerda, Karl Marx não foi tão importante em sua época quanto se imagina

Phillip Magness
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Mito 1: Marx foi um famoso crítico econômico e social na sua época

Muitos socialistas retratam Karl Marx como um dos pensadores mais famosos e influentes da sua era. Eles atribuem essa suposta notoriedade não apenas aos seus tratados filosóficos, mas também ao seu trabalho jornalístico e seu ativismo em uma série de causas trabalhistas de meados do século 19. 

Na verdade, Karl Marx (1817-1883) morreu em Londres em relativo anonimato. Ele teve uma pequena quantidade de seguidores intensamente devotados aos movimentos socialista e comunista, mas poucas pessoas de fora desses círculos da esquerda radical tiveram algum conhecimento da obra de Marx durante a vida dele. Contemporâneos dos círculos intelectuais da Inglaterra deixaram apenas algumas críticas rápidas sobre ele. John Stuart Mill, o filósofo vitoriano exaustivamente bem relacionado, viveu na mesma Londres que Marx por muitos anos, mas suas obras não fazem menção a um encontro com Marx ou com a doutrina marxista. Em 1885, o futuro primeiro-ministro britânico Arthur Balfour comentou que “Marx é muito pouco lido no país”. Balfour, um leitor voraz de tratados filosóficos obscuros, fez um comentário comparando Marx e Henry George, que “era muito lido”. Da mesma forma, outros socialistas também trataram da obscuridade de Marx no momento de sua morte. Henry Hyndman, um socialista britânico que se tornou um conhecido próximo de Marx em seus últimos anos de vida, relembraria em suas próprias memórias que “em 1880 não chegava a ser exagero dizer que Marx era praticamente desconhecido do público inglês”, exceto por associações ocasionais de seu nome com as causas revolucionárias radicais, como a Comuna de Paris, de 1871. 

Retrato de Karl Marx | Foto: Wikimedia Commons

Então quando foi que Karl Marx chegou ao mainstream intelectual? Apenas em 1917, quando um grupo de obscuros intelectuais revolucionários marxistas se aproveitou da instabilidade política da Rússia e deu um golpe, assumindo o controle do governo. A Revolução Bolchevique e suas consequências quase instantaneamente transformaram Marx em uma celebridade intelectual na esquerda. Esse fato foi amplamente reconhecido na época, inclusive entre outros intelectuais de esquerda. G. D. H. Cole, um socialista não marxista da Sociedade Fabiana do Reino Unido, brincava que até 1917 “as obras de Marx estavam bem enterradas no túmulo do autor”. “Lenin mudou isso”, disse Cole. “Ele ressuscitou Marx e deu ao marxismo um novo contexto teórico.” Do outro lado do Atlântico, W. E. B. Du Bois faria um comentário semelhante em um livro de memórias de 1933, dizendo que “até a Revolução Russa, Karl Marx era pouco conhecido nos Estados Unidos” e “era tratado com condescendência” pelos poucos acadêmicos que tinham se dado ao trabalho de conhecer sua obra. 

Recentemente, essas e outras observações similares receberam validação empírica em um estudo conduzido por mim e por Michael Makovi. Acompanhamos as citações ao longo do tempo usando o Google Ngram e um banco de dados independente de jornais digitalizados. Descobrimos que o padrão de citações de Marx triplicou quase imediatamente depois que Lenin e os bolcheviques chegaram ao poder, em 1917. Essas descobertas sugerem que foram os eventos políticos, e não a notoriedade intelectual, que colocaram Karl Marx no mapa. 

Vladimir Lenin, em 1920 | foto: Wikimedia Commons
Mito 2: O Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) popularizou Marx antes dos soviéticos ao contemplá-lo na plataforma do Programa de Erfurt, em 1891

Os marxistas que querem evitar a bagagem de Lenin e da União Soviética costumam oferecer uma versão alternativa sobre a disseminação da obra de Marx. A história convencional destaca que os marxistas na liderança do SPD alemão conseguiram incutir a teoria marxista na introdução de sua plataforma eleitoral de 1891, o Programa de Erfurt. Como o SPD foi um dos maiores partidos políticos da Alemanha entre 1891 e o início da Primeira Guerra Mundial, em 1913, eles argumentam que Marx deve ter tido muitos seguidores entre o público eleitor. 

Essa versão simplifica de modo excessivo e grosseiro a história do SPD na virada do século. É verdade que uma expressão da teoria marxista apareceu na introdução do Programa de Erfurt, graças aos esforços de intelectuais marxistas como Karl Kautsky, Eduard Bernstein, August Bebel e Wilhelm Liebknecht, bem como à sanção de Friedrich Engels, colaborador de Marx. Mas o trecho nem ao menos o cita nominalmente e, na melhor das hipóteses, consiste em uma sinopse diluída de suas crenças. O restante da plataforma é uma lista genérica de medidas de reforma das leis trabalhistas — redução das horas de trabalho, serviços de saúde oferecidos pelo Estado, educação universal, programas de combate à pobreza e acesso expandido às urnas. Poucas dessas medidas eram claramente marxistas, e todas deveriam ser obtidas por meios legislativos — algo que as doutrinas revolucionárias de Marx repudiavam. Ainda que os intelectuais já mencionados celebrassem essa plataforma como um triunfo dos princípios marxistas, o eleitor médio não teria notado nada relacionado a Marx ao simplesmente ler a plataforma. 

Retrato de Friedrich Engels | Foto: Wikimedia Commons
Pintura de Marx e Engels | Foto: Wikimedia Commons

Existem razões adicionais para o ceticismo em relação ao SPD como um dos primeiros disseminadores da doutrina marxista. Eric Hobsbawm, possivelmente o historiador marxista mais notável e celebrado do último meio século, estudou o papel do SPD na disseminação das doutrinas marxistas e concluiu que não há relevância. Como escreveu Hobsbawm, “não existe uma correlação forte entre o tamanho e o poder dos partidos Social-Democrata e Trabalhista e a circulação do Manifesto [Comunista]. Assim, até 1905, o Partido Social-Democrata alemão (SPD), com suas centenas de milhares de membros e seus milhões de eleitores, publicou novas edições do Manifesto [Comunista] que não passavam de 2 mil a 3 mil cópias”. Os leitores de Marx, continua o historiador, “faziam parte de novos movimentos e partidos socialistas e trabalhistas em ascensão”, mas “quase certamente não eram uma amostra representativa de seus membros”. 

Na realidade, Lincoln não fazia a menor ideia de quem era Karl Marx e com certeza não bebeu nas fontes do filósofo socialista para suas teorias econômicas

Para avançar na verificação da hipótese SPD/Erfurt, Makovi e eu realizamos uma segunda análise empírica dos padrões de citação de Marx em livros e jornais de língua alemã. Nossos resultados preliminares confirmam as observações de Hobsbawm. Não conseguimos estabelecer um impulsionamento estatisticamente significativo de menções em alemão a Marx depois de 1891, ainda que tenhamos encontrado evidências de um grande aumento induzido pelos soviéticos em 1917. 

Mito 3: Marx e Abraham Lincoln eram amigos de correspondência

Nos últimos anos, uma série de jornalistas e acadêmicos de esquerda difundiram diversas alegações sobre uma afinidade intelectual entre Karl Marx e Abraham Lincoln, o 16º presidente dos Estados Unidos. Algumas versões dessa história — incluindo um artigo de grande circulação no Washington Post — estabelecem similaridades entre os escritos de Marx e de Lincoln sobre as relações entre trabalho e capital. Outras afirmam que Lincoln lia regularmente o trabalho jornalístico de Marx no New York Tribune e destacam uma troca de cartas em 1864, depois que Marx escreveu para parabenizar Lincoln por sua reeleição. A política também costuma motivar essas afirmações históricas. Ao retratar Marx e Lincoln como amigos de correspondência no século 19, tenta legitimar as plataformas de políticos “socialistas democráticos” da era moderna, como Alexandria Ocasio-Cortez. Se Lincoln realmente manteve uma amizade transatlântica com Marx, o Socialismo Democrático deve ser tão americano quanto o Discurso de Gettysburg!

Estátua de Abraham Lincoln, 16º presidente dos Estados Unidos, no Lincoln Memorial, em Washington | Foto: Cathy Rowe/Wikimedia Commons

Na realidade, Lincoln não fazia a menor ideia de quem era Karl Marx e com certeza não bebeu nas fontes do filósofo socialista para suas teorias econômicas. Os escritos de Lincoln sobre trabalho e capital surgiram basicamente de sua leitura de outras obras do século 19, em especial de Francis Wayland e John Stuart Mill. Ele nunca teve contato com O Capital, de Karl Marx, que não seria publicado até dois anos depois do assassinato de Lincoln. Os escritos de Marx para o New York Tribune consistiram em resumos de notícias de segunda mão sobre o continente europeu, e a vasta maioria foi publicada anonimamente. Se Lincoln os encontrou por acaso enquanto lia o Tribune, é extremamente improvável que ele tivesse reconhecido o autor ou extraído quaisquer ideias sobre teoria econômica das contribuições jornalísticas de Marx. 

Aliás, as análises econômicas de Lincoln sobre o socialismo eram bastante críticas. Em 1864, o presidente escreveu uma carta para uma organização trabalhista da cidade de Nova York depois que um grupo de inclinação à esquerda fez dele um membro honorário. Apesar de ter agradecido à organização pelo reconhecimento, Lincoln desafiou fortemente suas doutrinas econômicas. Como escreveu o presidente:

“Tampouco isso deveria levar a uma guerra contra a propriedade privada, ou os donos de propriedades. A propriedade é fruto do trabalho — ela é desejável, é algo positivo no mundo. Que alguns sejam ricos mostra que outros podem se tornar ricos, daí o incentivo à indústria e aos empreendimentos.”

E a correspondência entre Marx e Lincoln? É verdade que Karl Marx escreveu uma carta para Lincoln felicitando-o por sua vitória eleitoral em 1864. Mas a carta não foi nem enviada em seu nome. Ela chegou pela Associação Internacional dos Trabalhadores, com sede em Londres, e foi entregue em nome do secretário da organização, W. Randal Cremer. A resposta, também endereçada a Cremer, igualmente não veio da mesa do presidente norte-americano. Charles Francis Adams, diplomata de Lincoln no Reino Unido, emitiu a carta pela delegação norte-americana em Londres. Ela não é nada além de uma carta modelo do século 19, uma comunicação de cortesia reconhecendo que a nota de parabenização assinada por Cremer tinha sido recebida e encaminhada para o presidente por meio do Departamento de Estado junto com milhares de cartas de felicitação depois do pleito. Uma história detalhada dessa correspondência pode ser encontrada em um artigo que escrevi sobre o tema. 


Phillip W. Magness é pesquisador sênior e diretor de pesquisa e educação do American Institute for Economic Research (Aier). Ele também é pesquisador do Independent Institute. Magness é doutor e mestre pela Faculdade de Políticas Públicas da Universidade George Mason e bacharel pela Universidade de St. Thomas (Houston). Seus artigos foram publicados em veículos como Wall Street Journal, New York Times, Newsweek, Politico, Reason, National Review e The Chronicle of Higher Education.

Leia também “Como a arrogância ameaça a liberdade”

3 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Interessante.

  2. Ramon
    Ramon

    Artigo bem educacional.
    Mostra a descontração de uma narrativa.
    E como oportunistas tentam moldar a história a seu bel-prazer. Consciente típico ‘esquerdopata'(progressista).

  3. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    Ótimo artigo !

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