Com 37 anos de profissão, a dentista Yumi Ozawa passa por dificuldades para manter o consultório por causa da crise do coronavírus
Com 37 anos de profissão, a dentista Yumi Ozawa está passando por uma situação que jamais vivenciou: ela não pode atender seus pacientes, mesmo com os diversos pedidos de agendamento que recebe diariamente, a não ser que estejam em alguma emergência. Com isso, vê acumular-se as contas e a renda cair drasticamente, como contou a Oeste na última sexta-feira.
Dentista de emergências
“O movimento está ruim porque não posso trabalhar. Pelo Conselho Regional de Odontologia (CRO), só podemos atender a casos de emergência. O que é risco para o paciente, risco para a gente. Mas o risco maior é nosso, segundo o CRO. Por causa do spray do [aparelho de] alta rotação, do spray do ultrassom, espirra muita água; então, o conselho diz que não podemos atender, apenas emergências.”
Bruxismo e coronavírus
“Estou atendendo só a emergências e muitas emergências on-line. Tem muita gente que está em quarentena, que teve o vírus, que não pode ir para o consultório, não pode sair de casa e está com dor. Só que não é dor de dente, dor de canal. É dor de tensão, preocupação, ansiedade, do medo; aí desconta na boca.
Se você tem bruxismo [condição em que, sob tensão, a pessoa range os dentes], você já tem tendência à ansiedade. E o bruxismo é algo involuntário. Inclusive durante o dia, principalmente quando se está mais tenso, aí você faz mais ainda. Se você já tem uma tendência e passa por um problema como o que estamos passando agora, piora.
Há pacientes que me ligam e me mandam fotos em que aparecem com o rosto todo inchado, com a musculatura inflamada e aí é preciso medicar. Entro com anti-inflamatório mesmo, para o paciente sair da crise. Depois ele terá de ir ao dentista, mas, pelo menos por enquanto, algo já foi feito para melhorar a dor. E isso está acontecendo com muita gente.”
De “esperar passar” para “resolver ligar”
“Nas primeiras semanas do confinamento, eu não estava atendendo ninguém. Porém, tenho notado que nas três últimas semanas começou a ter um ou outro caso no consultório e, na semana passada, atendi quase todos os dias. Só no período da manhã, mas quase todos os dias. E nesta semana também. Todos os dias tenho paciente, pelo menos dois ou três por dia. Tudo emergência. E também porque, no começo, [a dor] estava incomodando um pouquinho, mas dava para aguentar. Aí de repente começa a piorar, [e a pessoa] resolve ligar.”
As economias de uma vida e o risco de infecção
“Como profissional, a vida virou do avesso. Você tem de ter uma reserva. Eu tinha um pouco, mas não sei até quando vou suportar isso. As emergências não cobrem as contas de jeito nenhum. A manutenção de um consultório é muita cara. Você tem a secretária, conta de luz, material, protético, é tudo muito pesado. Apesar de que protético, nestes dias, nem estamos pagando, porque não tem nada. Mas tenho conta do protético que já vinha, porque também coitado dele, não é? Todo mundo é dependente. E, com a alta do dólar, não quero nem ver a hora em que tiver de comprar material.
Sinceramente, não tenho medo de me infectar, não. Tenho mais medo da perda financeira. O que está muito mais forte é o medo de perder tudo. Tenho muitos amigos profissionais liberais, muitos amigos que têm restaurante. Esse medo de perder também está muito forte. Essa pandemia é um gatilho não só do medo de morrer, de ficar doente, mas um medo de perder tudo também, porque você tem uma conquista. Ainda mais a classe média. A gente não tem salário. E mesmo aqueles que têm. Há muitas pessoas que têm emprego e estão com muito medo porque as empresas também estão mal com tudo isso. Estão com medo de perder o emprego.”
Higiene ainda mais em alta
“Sempre trabalhamos protegidos, mas agora mais ainda. Mais higiene ainda, limpar mais o consultório, limpar mais o chão, limpar mais tudo. Se nós já nos preocupávamos, agora mais ainda. De certa maneira, nesse sentido, pode ser que as coisas fiquem melhores. Mas temos de passar esta crise para ver.”
Doutora, minha solidariedade. Tenho ficado angustiado com a ruína de pessoas que não terão mais como se reeguer. Essa perseguição à classe média é perversa e conveniente ao sustento de instituições oportunistas que nos acharcam com pesados impostos. Às vezes, penso em me desfazer do pouco que tenho, aplicar o dinheiro, e finalmente ficar invisível ao escárnio dos parasitas. Saio todos os dias e também não tenho medo do vírus, tenho medo de perder minha liberdade conquistada.
É triste saber que o objetivo dos socialistas é acabar com a classe média, desde Marx a Marilena Chauí. A classe média desfaz a falácia da luta de classes, da dialética marxista. Ademais, é a classe média que carrega os valores ocidentais de liberdade individual e propriedade privada. É a classe média que paga a maioria dos impostos a fim de bancar um estado gigante e autoritário.