Conhecido no mercado de ações brasileiro como “O Ogro de Wall Street”, o trader André Machado ganhou a alcunha em alusão ao livro O Lobo de Wall Street, do norte-americano Jordan Belfort — e também por andar na contramão do “estilo Faria Lima” de falar e se vestir, como ele mesmo costuma frisar.
Extremamente ambicioso, Belfort foi corretor da Bolsa de Valores de Nova York e ficou famoso por erguer um império de forma rápida, mas ilícita. Machado também aprendeu a fazer muito dinheiro. No entanto, atuando como um dos profissionais do mercado financeiro mais respeitados do país.
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Em entrevista exclusiva, o premiado trader revela como conseguiu, por meio da compulsão por leitura, sair de uma vida simples, na Tijuca, no Rio de Janeiro, e ganhar milhões na Bolsa de Valores. Também revela como se reergueu depois de “quebrar” financeiramente por duas vezes. Uma delas, num momento crucial para sua família: sua mulher estava grávida do primeiro filho do casal.
Ex-executivo da Microsoft no Brasil, eleito o melhor do mundo em sua passagem de quatro anos pela corporação, André Machado foi ainda professor do Instituto Educacional B3 (BM&F Bovespa). Na instituição, lecionou por seis anos. Chegou a atuar na Inglaterra, Índia, Canadá, Estados Unidos, México, China e País de Gales, entre outros países. Mas largou tudo para cuidar da própria carreira.
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Hoje, sem cobrar nada por isso, o trader usa o Youtube diariamente para ajudar milhares de pessoas a encontrarem no mercado de ações — não somente uma fonte de renda, mas um meio de prosperar.
O Ogro vê nas dificuldades de muitos dos seus alunos um reflexo da sua própria imagem e diz que usa seu conhecimento para “servir” e direcionar quem mais precisa. “Tive uma infância e uma adolescência bem ruins, mas sou mais uma prova de que o estudo pode reescrever completamente a nossa história”, ressalta.
“Me restava ler compulsivamente“
Aos 7 anos, Machado se deu conta de que o pai, um brilhante militar do Exército, havia desenvolvido problemas com bebida alcoólica. “Minha mãe, por vergonha daquela situação, não me deixava frequentar a casa dos meus amigos da escola, para não ter que convidá-los, por educação, para nossa casa também”, conta Machado. “Passei a viver muito isolado, e foi assim até os meus 16 ou 17 anos. Tudo que me restava a fazer, durante esse longo período, era ler compulsivamente.”
Esse hábito ele adquiriu da avó, que decidiu ajudar sua família pagando a escola dele e de sua irmã por vários anos. “Nunca ganhei dela um único brinquedo ou uma roupa”, lembra. “Minha avó só me dava livros. Eu ficava bastante chateado, até que um dia entendi que essa foi a melhor coisa que ela poderia ter feito por mim. Os livros me botaram em todos os lugares que eu quis.”
Os livros o levaram, inclusive, a ganhar, por três anos consecutivos, o prêmio de melhor executivo da América Latina na empresa norte-americana de tecnologia Cisco System, onde também conquistou premiações mundiais.
Antes de alcançar lugares altos em sua carreira, André Machado precisou trabalhar como frentista de um posto de gasolina para pagar a faculdade de computação na PUC, no Rio de Janeiro.
“Tinha uma namorada, à época, por quem eu era muito apaixonado, mas ela rompeu comigo por eu ser ‘um frentista sem futuro’, que gastava o pouco dinheiro que tinha com livros”, relata. “ A mãe dela dizia: ‘Esse aí não vai dar pra nada na vida”, relembra o investidor, que já chegou a faturar R$ 1 milhão em uma semana no mercado de ações.
Biblioteca de milhões
De todos os seus feitos, André Machado se orgulha especialmente da biblioteca que montou ao longo de uma vida. Entre os 11 mil exemplares da sua coleção, avaliada em cerca de R$ 3 milhões, destacam-se algumas raridades, como todas as edições originais da revista Times publicadas durante a 1ª Guerra Mundial, além de uma versão equivalente em francês. Aliás, 90% da sua estante contém obras sobre história — uma outra paixão.
A compulsão por leitura resultou em uma trajetória de sucesso para o investidor. Mas, antes, também lhe fez passar por alguns sufocos. Para adquirir esse material da Times, por exemplo, Machado chegou a vender um carro.
“Pensei: Ah, depois compro outro. Isso aqui é especial, eu não posso perder”, conta, aos risos. “Os caras dos sebos já tinham o meu contato. então, quando chegava algo precioso, eles ligavam imediatamente para mim. Eu pagava até com cheque pré-datado, mas levava tudo que podia.”
Machado confessa que, até hoje, seu acervo não para de crescer. “Recentemente, comprei a enciclopédia Novo Conhecer, dos anos 1970, que retrata todo o conhecimento da humanidade. Devo ter lido esse material na infância pelos menos cinco vezes. Ela foi muito importante para minha formação”, observou.
“Larguei tudo para virar trader“
Teoricamente, o sonho de qualquer profissional da área de computação no mundo seria trabalhar como executivo na Microsoft. Mas “O Ogro de Wall Street” sempre andou na contramão. “Diferentemente da maioria dos meus colegas, que amava estar na Microsoft, eu odiava trabalhar ali”, admite. “Na verdade, achava uma bosta, porque era apenas um empregado. Quando vi que poderia ser dono do meu próprio nariz, larguei tudo para virar trader.”
Sem conhecimento suficiente nem o preparo emocional que o mercado exige, ele, mais uma vez, quebrou. “Essa foi a queda mais difícil de todas, pois, naquele momento, minha mulher esperava nosso primeiro fillho”, lembra.
Ele conta que rapidamente voltou a trabalhar, mas continuou obstinado pela carreira de investidor. “Ainda acompanhava a Bolsa de Valores todos os dias e estudava sem parar”, conta. “Assim que juntei grana novamente, voltei a ser um trader profissional.”
O problema é que todo seu dinheiro estava em uma única corretora, que também quebrou, “Mais uma vez, tive que recomeçar tudo, do zero”, afirmou.
Como escalar o Everest
Apesar dos milhões que conseguiu fazer ao longo de 22 anos de profissão, André Machado diz que não acredita, enquanto um trader, em uma consistência “eterna”. “É como escalar o Everest: difícil de chegar, mas difícil também se manter lá”.
Para se reerguer depois de cada tropeço, ele diz que o apoio de sua mulher, Graziela, foi fundamental. “Em meio aos tombos, nunca sequer cogitei desistir”, disse. “E minha mulher nunca me censurou em meus fracassos, nem mesmo quando perdi tudo. Ela sempre esteve do meu lado. Eu a conheci quando tinha acabado de quebrar, inclusive. A única vez que ela olhou para mim de cima para baixo foi para me levantar do chão, depois de eu ter caído. Tamanho amparo foi essencial, me deu paz para perseverar, e isso não tem preço.”
O “Ogro de Wall Street” agora pensa em se aposentar. Recém-convertido ao cristianismo, faz trabalhos voluntários em uma igreja católica de São Carlos, no interior de São Paulo, onde vive atualmente com Graziela e os três filhos.
Quando sair da “loucura” que é o mercado, pretende usar seu tempo e conhecimento para ajudar mais pessoas a crescerem financeiramente. “Meu maior dom não é fazer dinheiro; minha missão e meu talento são para ensinar”, concluiu.
Muito bacana. O que tem nessa biblioteca?