Luiz Chinan
O último capítulo da batalha da Âmbar Energia contra os diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) — apelidada pelos especialistas de mercado de drama Aneelflix — pode parecer um anticlímax. Conforme já se tornou comum no Brasil, o que deveria ser uma decisão técnica foi judicializada. Assim, Sandoval Feitosa, o comandante do órgão, não teve outra alternativa a não ser aprovar a transferência da concessionária sub judice no dia 7 de outubro. O mais interessante dessa história não está nesse final, mas, sim, em seu início sui generis. O que transformou em lucro um negócio falido.
A saga começou em junho de 2024, quando a J&F Investimentos, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, concordou em pagar R$ 4,7 bilhões pelas térmicas da Eletrobras que geram a eletricidade distribuída pela Amazonas Energia, uma distribuidora em situação financeira precária. A J&F Investimentos foi ainda mais ousada. Manifestou também à Aneel o desejo de assumir a concessão da empresa praticamente quebrada. Ninguém do mercado elétrico entendeu, na ocasião, a lógica de um negócio como aquele.
Não entenderam por pouco tempo. Dias depois da aquisição, o governo federal publicou uma medida provisória (MP) que incluía essas térmicas no programa de energia de reserva, aquelas usinas mantidas para entrar em operação caso a demanda por megawatts seja maior do que a oferta regular das hidrelétricas, eólicas e plantas fotovoltaicas. Na prática, isso anula a maior linha de custo da Amazonas Energia e repassa a conta para os consumidores de todo o Brasil. Em outras palavras, a J&F Investimentos teria a garantia de pagamento da eletricidade produzida por suas usinas recém-adquiridas.
Segundo o mercado, dois grupos empresariais não gostaram nada da situação. O BTG Pactual, que controla a Eneva, bem como a Termogás, do empresário Carlos Suarez, um dos maiores investidores de gás do país. Afinal, ambos teriam certamente olhado as térmicas da Eletrobras com outros olhos se soubessem da MP favorável que estava a caminho por parte do governo. A verdade é que o maior negócio era a concessão da Amazonas Energia. Só que, nesse ponto, tal qual na poesia, os irmãos Batista toparam com uma pedra no meio do caminho.
O nome dessa pedra era Aneel. A agência não chegava a um consenso entre seus diretores sobre apoiar ou não o negócio. O problema é que o órgão precisava aprovar a transação até 10 de outubro, data em que expiraria a MP que permitia a transferência de controle. No centro da questão, estava o chamado custo de flexibilização, ou seja, quanto a Amazonas Energia poderia repassar de perdas para a tarifa do consumidor brasileiro. A Âmbar dizia que precisava repassar R$ 15,8 bilhões nos próximos 15 anos.
Na primeira votação da Aneel, houve um empate. Os diretores Ricardo Tili, que era relator do processo, e Fernando Mosna votaram para negar a transferência nos termos propostos pela J&F e aprovar apenas com um valor de R$ 8 bilhões. Já os diretores Sandoval Feitosa e Agnes Costa votaram por aprovar a transferência com flexibilizações de R$ 14 bilhões. A Âmbar acatou essa segunda proposta e fez uma nova oferta com esse montante.
Em 25 de setembro, quando ainda prevalecia o impasse, a Justiça fez algo até então inusitado no setor elétrico brasileiro. Intimou a Aneel e deu 48 horas para a agência concluir a transferência da Amazonas Energia para a Âmbar. A ordem exigia que a transferência fosse feita nos termos em que os compradores propuseram, sem margem para um julgamento técnico. No dia seguinte, a Aneel recorreu da liminar, com o argumento repisado — e ultimamente pouco acatado — de que a decisão contrariava a separação de Poderes.
Segundo a análise técnica feita pela Aneel, o plano de transferência feito pela J&F mostrava uma série de questões. Uma delas, por exemplo, seria que as trajetórias de flexibilização formuladas para perdas não-técnicas, custos operacionais e receitas irrecuperáveis não seriam as mais adequadas. Em 27 de setembro, a Amazonas Energia ajuizou uma ação pedindo que Sandoval Feitosa aprovasse a transferência de controle, por meio de um voto de desempate. A companhia exigiu ainda que, caso o diretor não cumprisse a nova ordem, os agentes envolvidos fossem afastados e presos. Outro pedido: que o Ministério de Minas e Energia instaurasse um interventor na Aneel para cumprir as determinações.
Na sequência, ocorre um fato também inusitado naquele processo. O Feitosa decidiu acompanhar o entendimento do relator Ricardo Tili. Ou seja, de que as flexibilizações tinham de ser limitadas a R$ 8 bilhões. Pela primeira vez, formou-se uma maioria no processo. A decisão, naturalmente, não agradou à Âmbar. A empresa ameaçou desistir de assumir a concessão. Isso deixaria o governo com um grande problema: a necessidade de intervenção na Amazonas Energia. Nesse caso, a conta não ficaria exclusivamente com os consumidores de energia e, sim, com o contribuinte, dado que o Tesouro teria de aportar recursos na empresa. Isso explica a razão do ministro Alexandre Silveira, da pasta das Minas e Energia, ter pegado mais pesado: disse que a Aneel trabalhava contra o país.
Deixar de assumir a concessão da distribuidora amazonense também seria uma bomba para os irmãos Batista. A J&F correria um grande risco financeiro. O processo sobre a compra das térmicas — que as transforma em “energia de reserva”, fazendo o consumidor brasileiro pagar por esses megawatts — também está empatado em 2 a 2 na Aneel. Se a Âmbar perder essa parada, as térmicas que já foram da Eletrobras se tornam um pesadelo contábil. Afinal, os irmãos Batista teriam nas mãos um negócio cujo cliente — a Amazonas Energia — simplesmente não teria como pagar a conta. A verdade é que os irmãos Batista provaram mais uma vez que são os reis Midas do setor elétrico brasileiro. Com a concessão assumida da Amazonas Energia e uma garantia de faturamento inicial de R$ 15,8 bilhões nos próximos 15 anos, o negócio fracassado já se tornou um sucesso financeiro graças à decisão imposta pela Justiça. Se as térmicas também tiverem garantia de receita do governo, o acordo poderia até ser chamado de um “negócio da China”. Não fosse uma realização estritamente brasileira nos termos que Celso Furtado cunhou na história econômica do país: a privatização dos lucros e a socialização das perdas.
Leia também: “Os irmãos Batista atacam novamente”, reportagem publicada na Edição 187 da Revista Oeste
o desgoverno do amor voltou a fazer maracutaia para favorecer os irmão metralhas, digo irmão batista.
Que deboche este governo e esta justiça.
A cleptocracia a todos vapor. Essa dinheirama vai fazer a alegria de todos os envolvidos. Mas a MP não tem que ser aprovada pelo legislativo sob pena de ser invalidada? Às vezes acho que o nosso legislativo, tirando os parasitas, só faz barulho, cacarejam muito enquanto somos devorados por raposas famintas. Só Youtube não resolve, tem que ter muito mais AÇÃO para freira essa esculhambação generalizada.
A quadrilha ataca em todas as frentes. CRIME ORGANIZADO NO PODER.