(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 11 de julho de 2022)
A Argentina está mal; há muito tempo, na verdade, não está tão mal como agora. A dívida externa desabou para aqueles abismos onde se agitam os países falidos e sem meios para pagar o que devem. É, no momento, a pior do mundo, e precisa que o Fundo Monetário Internacional, os credores e órgãos financeiros internacionais entrem em ação — naturalmente, com todo aquele drama ruim que vem com esse tipo de intervenção. A inflação passou dos 60% ao ano — e quando as coisas chegam a esse nível, fica difícil consertar com medicação natural. Não há crescimento algum; a economia vive em recessão. Para todos os efeitos práticos, o país não tem mais uma moeda própria. Nem os argentinos querem o peso; a única moeda que faz sentido para eles é o dólar. A capacidade para saldar as dívidas internacionais está próxima ao zero. Vai tudo ladeira abaixo.
É nisso que deu, como não poderia deixar de ser, a política econômica esquerdosa do seu governo peronista — uma mistura mortal de “socialismo”, gasto público sem controle, doação de dinheiro para sindicatos e cartórios de todas as naturezas, “nacionalismo” e tudo o que sobra no repertório do “anticapitalismo”. O governo taxa as exportações agrícolas, a única área firme de toda a economia argentina. Acha que vai resolver problemas metendo imposto nas grandes fortunas. Dificulta em tudo o que pode a atividade produtiva. Pense em alguma coisa errada que um governo possa fazer em sua política econômica — o governo argentino com certeza está fazendo isso. Vive-se, lá, no mundo dos “controles de preços”, dos tabelamentos, das empresas estatais encarregadas de resolver tudo, da perseguição à iniciativa privada, do “Estado” como o Deus diante de quem todos têm de se ajoelhar. Sempre dá num desastre. Está dando em outro, mais uma vez.
Quanto mais a economia da Argentina afunda, entretanto, mais o governo se convence que está no caminho certo; vai “aprofundar”, em consequência dessas convicções, o que está fazendo do errado. O problema, para eles, não é o peronismo; na sua opinião, é a falta de mais peronismo. É realmente extraordinário, diante de todas essas realidades, que a Argentina e a sua administração econômica sejam um modelo para Lula e o PT na presente campanha eleitoral. O ex-presidente, inclusive, imagina um “pacto” com a Argentina (e a “América Latina”) para que “todos juntos”, como irmãos de continente e de ideologia, possamos nos transformar na luz que ilumina o mundo. Não ocorre a Lula que a Argentina está dando errado. Também não lhe ocorre que o Brasil, com US$ 360 bilhões em reservas, está numa situação absolutamente oposta em termos de meios de pagamento; tem, portanto, necessidades e interesses muito diferentes, e deveria tratar da sua própria vida, em vez de abraçar pacientes internados na UTI.
Mas Lula se imagina como o homem mais importante do mundo; tem sonhos confusos de comando, achando que pode usar a excelente situação das contas públicas brasileiras que receberá, caso seja eleito, para doar dinheiro a Cuba, Venezuela e outras economias em colapso. O Brasil, a esta altura, é muito pouco para a sua mania de grandeza cada vez mais agressiva. Em nenhum momento lhe passa pela cabeça que o desastre econômico da Argentina é um sinal do tipo: “Não tente nada parecido”. Ele se considera acima desse tipo de consideração, mesmo porque sabe muito bem que ele, seus amigos bilionários e a companheirada não vão sofrer consequência nenhuma pelo desastre que causarem; vão se dar muitíssimo bem, ao contrário.
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