Na última sexta-feira, 30, vários Estados venezuelanos ficaram sem energia elétrica. Apesar de a população permanecer por horas às escuras, nenhum jornalista do país entrevistou qualquer engenheiro elétrico a fim de esclarecer os motivos do apagão. A alegação do ditador Nicolás Maduro, no entanto, foi suposta sabotagem — afirmação a qual não apresentou provas.
No país chavista, a rotina da imprensa tem sido cuidar de cada palavra proferida em pautas políticas. Em conversas informais, asseguram que vivem numa ditadura, nua e crua.
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A organização não governamental (ONG) Foro Penal divulgou recentemente o número de profissionais de imprensa presos na Venezuela, que já totalizam 16. Todos acabaram detidos quando cobriam atos relacionados ao pleito, principalmente protestos organizados pela oposição para denunciar o anúncio do Conselho Nacional Eleitoral, de que Maduro teria derrotado o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia — afirmação contestada por opositores do regime, a partir de acesso a atas do dia da eleição.
Maduro causa “repressão cirúrgica“
Desde a eleição, a coação de profissionais de imprensa por Maduro tem gerado verdadeira sensação de pânico, conforme noticiou o jornal O Globo. Sair às ruas para cobrir manifestações, ou simplesmente realizar uma entrevista, gera medo sob risco de prisão por forças de segurança do regime chavista.
Muitos temem até mesmo assinar reportagens. Outros, em casos extremos, optaram pela demissão e pedido de exílio. “Estamos vivendo o que chamo de uma repressão cirúrgica”, diz a jornalista Luz Mely Reyes, diretora e cofundadora do portal venezuelano Efecto Cocuyo.
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Os leitores conseguem acessar o canal por meio de VPN ou outra ferramenta capaz de driblar os bloqueios oficiais. “Nunca vimos um ataque tão feroz à imprensa”, complementa Luz.
Liberdade de expressão cerceada pela ditadura de Maduro
De acordo com relatório da ONG Espaço Público, somente no ano passado, 28 pessoas acabaram presas quando exerciam o direito à liberdade de expressão. O número representou um aumento de 65% em relação a 2022.
Desse total, duas pessoas eram jornalistas. Ainda conforme o relatório, as detenções ocorreram em decorrência de mensagens publicadas nas redes sociais ou a críticas proferidas ao governo, difundidas por meio de aplicativos de mensagens instantâneas.
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“Neste ano, a situação dos jornalistas se deteriorou de maneira expressiva”, afirma o diretor da Espaço Público, Carlos Correa. Para ele, o agravamento da circunstância dos jornalistas foi gradual e piorou muito com a chegada de Maduro ao poder. “O que estamos vendo hoje é um grau de violência inédito contra a imprensa.”
Fechamentos de veículos de comunicação
A Espaço Público mostrou que de 2013, ano em que Maduro chegou ao poder na Venezuela como sucessor de Hugo Chávez, a 2022, mais de 60 jornais fecharam no país. Entre os motivos, destacam-se problemas econômicos, além de pressões estatais e falta de papel.
No mesmo período, dez canais de TV estrangeiros que tinham correspondentes no país acabaram expulsos. No mesmo período, ainda de acordo com o relatório da ONG venezuelana, 285 emissoras de rádio tiveram de encerrar as atividades.
Somados todos os dados, chega-se a um quadro alarmante: nos primeiros nove anos de Maduro no poder, 71% dos meios de comunicação venezuelanos “sumiram do mapa”.
Os portais Efecto Cocuyo, La Patilla, Tal Cual e El Pitazo ganharam força nos últimos dez anos, apesar dos recorrentes bloqueios oficiais. Conforme a ONG Vesinfiltro, “a campanha presidencial começou com 53 sites de notícias bloqueados. Durante a campanha eleitoral, 12 novos casos de bloqueios contra meios de comunicação puderam ser registrados”.
“ Vivemos nosso pior momento. Temos um número de colegas presos que nunca vimos, já perdermos a conta da quantidade de meios que fecharam”, relata o jornalista Vladimir Villegas ao jornal O Globo. Ele é um dos poucos que ainda têm coragem de analisar a política local em seus programas de rádio. “Fontes cancelam entrevistas por medo. Estamos assustados.”