Na tarde de 20 de dezembro de 2023, as arquibancadas do estádio Turner, em Be’er Sheva, Israel, estavam sem dois dos seus principais frequentadores.
Os irmãos Yair, 46 anos, e Eitan, 37 anos, nascidos na Argentina, não puderam comparecer. O deserto que cerca o estádio parecia presente em cada um dos que olhavam para o espaço vazio onde eles costumavam ficar.
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Yair e Eitan estavam muito longe, como se tivessem entrado em um pesadelo. Mas real. Estavam entre os reféns feitos pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro, naquele primeiro jogo em casa do Hapoel Be’er Sheva, depois do reinício do campeonato. Foi o time que eles decidiram torcer em Israel.
“Nós, brasileiros e argentinos, somos assim, para onde vamos queremos acompanhar o futebol, está na nossa origem”, conta a Oeste o pai deles, Itzik Horn. Desde o sequestro ele tenta não sucumbir ao desespero, ao se engajar na campanha pelo retorno dos reféns.
Com a fala pausada, que reflete um claro cansaço, Itzik conta que ainda tem outro filho, Amos, o irmão mais novo, morador de Kfar Saba, que tem dois filhos.
Os irmãos, diz o pai, eram muito unidos e costumavam cruzar o país para acompanhar o time que eles adotaram.
Na Argentina, todos eles torcem para o Atlanta, agremiação de pequeno porte, muito querida pela comunidade judaica. E foram morar em Israel a partir de 1999, com mais de 30 anos de idade. Trabalham, assim como o pai, na área de Educação.
“São tão unidos que nem eu sabia que o Eitan foi visitar o Yair naquele dia, no kibutz Nir Oz”, conta o pai. “Iam comemorar a festa judaica do Simchá Torá.”
Itzik revela que, ao saber do ataque do Hamas, não pensou que seus filhos, mesmo com Yair morando em um dos locais atacados, estivessem entre as vítimas.
“De fato, só fui saber no dia seguinte que eles não estavam no kibutz e foram feitos reféns. Logo que se formou o grupo de familiares, lá fui eu, no dia 10, para me juntar a eles.”
Separado há mais de 30 anos, Itzik vive sozinho em Ashkelon. Mas tem rodado o país na campanha pelo retorno dos reféns. Ele faz parte do Fórum das Famílias Reféns e Desaparecidos, organização civil que busca a volta segura de todos os sequestrados.
Já foi a mais de 60 manifestações, de norte a sul de Israel, para pressionar as autoridades e manter o tema em evidência na comunidade internacional.
“Nosso esforço é para trazermos os reféns de volta, mas, enquanto isso não acontece, manter esse tema em pauta, porque se as pessoas se esquecerem, ficará muito difícil.”
Esse trabalho é o que o tem motivado. “É o que me mantém vivo.”
Itzik sente um acolhimento único entre os parentes das vítimas.
“Fizemos uma grande família, ganhei amigos neste grupo, é muito importante. Quando você chega, não precisa ficar explicando o que sente, todos entendem. Claro, uns são mais próximos do que outros, mas no fim das contas formamos uma grande família.”
Ele responsabiliza o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pela situação.
“A responsabilidade é dele, não sou eu quem vai conseguir resolver isso diretamente. Cabe a Netanyahu trazer nossos familiares de volta, para depois ver o que pode ser feito em Gaza. O Hamas já disse o que quer para libertar os reféns: um cessar-fogo e a saída das forças israelenses de Gaza.”
Para o pai, Israel não perderia o controle da situação se aceitasse um acordo.
“Há soluções que não passam pela permanência dos reféns, era para meus filhos já estarem aqui comigo. Um ou outro refém pode ser resgatado, mas para que os 108 saiam, tem de haver um acordo, não há outro jeito.”
Alegria e frustração
Itzik deu as declarações no mesmo dia do resgate de Qaid Farhan Alkadi, que ficou 300 dias em cativeiro.
“Quando um refém é libertado, vem um misto de sensações. Primeiro, vem a alegria por ele, pelos familiares, pela vida, mas, por outro, vem também uma frustração, porque a libertação não é a dos seus filhos.”
Ele, no entanto, tem esperança de que este pesadelo chegue ao fim.
“Acredito na sobrevivência deles, são homens altos, fortes, também mentalmente, apesar das adversidades que estão encontrando, em condições terríveis, provavelmente em túneis.”
Na chegada, Alkadi foi enviado para o Hospital Soroka, que fica a poucos quarteirões do estádio Turner. O hospital entrou em festa, pelos corredores, pelas cercanias. As arquibancadas, ainda não.