A região da Mesopotâmia é um dos berços da civilização. Foi de lá que Abraão, patriarca do judaísmo, saiu em direção a Canaã, futura Israel, por uma vida espiritualizada e de paz. A região se tornou o núcleo de paixões e interesses humanos. De ódio e guerra. Da luta pela identidade e sobrevivência. Das Cruzadas (entre os séculos 9 e 13) à Guerra Fria (1947-1991), o que muda são os personagens.
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A Rússia de hoje continua a considerar a área como a mais estratégica para os seus interesses. Assim como os Estados Unidos (EUA). Mas, nesta guerra causada pelos ataques terroristas do Hamas a Israel, os russos, agora fortalecidos pelo apoio chinês, tentam dar as cartas. Os americanos se mantêm na defensiva.
A diferença em relação aos tempos da Guerra Fria é que a Rússia, no lugar da União Soviética, continua aliada de inimigos árabes de Israel, mas, desta vez, tentando não se distanciar do país judaico.
Uma demonstração disso é a própria reunião entre o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Mikhail Bogdanov, com Musa Abu Marzouk, chefe do Gabinete de Relações Internacionais do Hamas. Participou também Basem Naim, o antigo ministro da saúde do grupo terrorista em Gaza.
O encontro, realizado na quinta-feira 26, enfureceu Israel. No entanto, o governo russo fez questão de dizer que marcou a reunião para exigir que o Hamas libertasse os reféns.
A reunião ocorreu dias depois do presidente Vladimir Putin ter ligado para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, para lhe dar as condolências pelas mortes do civis israelenses no ataque terrorista de 7 de outubro.
Essa via de duas mãos não existia nos tempos em que Israel lutava contra Exércitos regulares financiados pelos soviéticos.
Já os Estados Unidos, ao enviar porta-aviões e logística de guerra para a costa israelense, se mostra como o dono do terreno que vê os vizinhos tentando se apropriar dele.
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Desde a Guerra do Iraque (2003-2011), com o surgimento de grupos terroristas e a ascensão do Irã como nação que busca a hegemonia da região, os norte-americanos viram sua influência perder força.
Para recuperar terreno, se aproximou mais da Arábia Saudita, com quem já tinha relações, mas que agora se tornaram prioritárias. Sob as bençãos dos Estados Unidos, aliás, Arábia Saudita e Israel estavam mais perto de um acordo histórico.
Outros aliados sauditas, como Emirados Árabes e Bahrein já haviam formalizado relações diplomáticas com Israel.
Menos de duas semanas antes dos ataques de 7 de outubro, o ministro israelense do Turismo, Haim Katz, realizou a primeira visita da História de uma autoridade do gabinete de Israel ao reino saudita.
Aproximação entre Israel e Arábia Saudita incomodou Irã
Tal situação reverberou no eixo sob influência da Rússia, formado pelo Irã, pela Síria – que se tornou aliada a partir da guerra civil local – , pelo Iraque já inserido nos interesses iranianos, e pelos grupos terroristas Hezbollah e Hamas.
Os ataques do Hamas foram praticamente causados por essa movimentação saudita em direção a Israel.
O desejo do Hamas, cuja obsessão é destruir Israel, era voltar a distanciar os dois países, com os sauditas, como sempre fizeram, se revoltando com as ações israelenses.
Mas não foi isso que aconteceu. Mais do que Israel, neste momento, o Irã é a maior ameaça à Arábia.
E o fato do país persa estar por trás dos ataques mantém os sauditas, de forma inédita, mais distante do conflito.
A preocupação da Arábia, para se aproximar de Israel, é obter, dos EUA, garantias de segurança e assistência para um programa nuclear civil. O país árabe, que perdeu a posição de maior produtor de petróleo do mundo, busca desenvolver energias alternativas.
Na geopolítica local, nações estratégicas mudaram de posição. Mas o Oriente Médio, que inclui a antiga Mesopotâmia, se mantém um barril de pólvora.
Para Israel, o alento é que o número de nações inimigas diminuiu. Mas ainda resta um bom trecho para que o Caminho de Abraão seja concluído.