O dia 20 de junho marcou a entrada do inverno no hemisfério Sul. Para o Brasil, o tempo quente e seco prevaleceu para boa parte dos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste e há prognóstico de que se mantenha assim. Vale lembrar que, em vários desses Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e outros, o ano hidrológico passa pelo seu período de estiagem, quando as chuvas diminuem significativamente e não devem ser confundidos com “seca” que é caracterizada e definida por outros fatores.
A situação da mudança do quadro Enos – El Niño-Oscilação Sul para a condição de La Niña também reduz a chuva em boa parte do Brasil, excetuando a região da calha Norte do país que pode se favorecer com totais pluviométricos ainda satisfatórios com a entrada da umidade do oceano Atlântico, favorecida pelos ventos de Leste. Em grande parte do Brasil, os meses de inverno apresentarão temperaturas mais altas que o normal. O período sazonal que é tradicionalmente de estiagem, com a redução das precipitações, também tenderá a ser mais seco que a normal climatológica das regiões Sudeste, expandindo para o Centro-Oeste. Esta estiagem tem grande possibilidade mais uma vez de se apresentar intensa na região do Pantanal. O Sul do Brasil ficará suscetível à umidade disponibilizada pela precipitação oriunda das passagens das bandas nebulosas, associadas aos sistemas frontais.
Enquanto a situação do Brasil tende a parecer muito semelhante ao que tivemos nos anos de 2020 a meados de 2023, o hemisfério Norte passa agora para o seu período de verão. Por ser um hemisfério mais continental, com extensas áreas de terras, o efeito climático da continentalidade impera em várias regiões. Em linhas gerais, vários desses lugares apresentam verões secos que são diametralmente opostos aos nossos aqui, observados em diversas regiões do Brasil (especialmente Sudeste e C-O, por exemplo), onde a precipitação é abundante.
Contudo, em maio, findando a primavera, às vésperas de seu verão, vários países do hemisfério Norte foram assolados por nevascas fortíssimas e temperaturas baixas significativas. Os primeiros dez dias de maio foram considerados os mais frios em vários lugares da Europa e na Rússia, em especial, tivemos marcas dignas de nota, quando Moscou registrou precipitação de neve surpreendente. Isto tudo ocorrendo em pleno “aquecimento global” de um mundo “em ebulição”, como declarou o secretário-geral da ONU, António Guterres, enquanto omite a verdade que não há razão alguma para se afirmar que exista uma crise climática.
As baixas temperaturas não se restringiram apenas à Federação Russa, em maio de 2024, mas os quadros meteorológicos foram responsáveis por intensas nevascas também na Turquia. Na Eslováquia, esperava-se até mesmo a quebra do recorde de temperatura mínima do ar, prognóstico este que ainda será avaliado no fechamento dos dados meteorológicos do país.
A situação foi bastante drástica para as três principais áreas russas destinadas ao cultivo de grãos devido às geadas ocorridas no dia 8 de maio. Lipetsk, Voronezh e Tambov, áreas agrícolas centrais que fazem parte da região da Terra Negra da Rússia, um setor muito fértil, chegaram a declarar estado de emergência, antecipando que o frio trouxe danos às plantações. O quadro meteorológico de frio fora de época gerou uma expectativa de colheita reduzida para este ano. Na região de Voronezh, estimou-se que 265 mil hectares (2.650km2) foram atingidos pelo frio extremo, causando a morte ou danos severos das culturas (só para comparação, o município de São Paulo tem área de 1.523km2). Em Tambov, que se situa mais a Leste, as geadas também mataram as colheitas e danificaram culturas perenes. Nas três regiões, as temperaturas mínimas atingiram −5 °C por quatro noites seguidas.
Com episódios de frio como este, foi curioso achar sítios internacionais de “observadores” do clima dizendo que a Rússia apresentou temperaturas de primavera acima do normal, quando tiveram um mês de maio tenebroso como este. Até mesmo o relatório da NOAA reportou que toda a região Oeste da Rússia registrou temperaturas abaixo da média. Somente ao Norte da República de Iacútia (Sakha) as temperaturas estiveram acima da média. Seriam então interesses de propagação do discurso alarmista? De fato, quando observamos os “observadores”, vemos que o interesse deles é outro.
De qualquer forma, como sempre alertamos, as temperaturas de uma estação sazonal não são iguais ano após ano e as variações podem ser bastante significativas, especialmente nessa região do planeta, onde a continentalidade e a proximidade polar geram contrastes significativos, características marcantes do hemisfério Norte. Todavia, se forem adicionados outros ambientes geográficos, como áreas desérticas ou semiáridas, como é o caso do pequeno assentamento de Yashkul, na República da Calmúquia, Rússia, a variabilidade pode ser bem maior.
Essa vila, por exemplo, está situada na latitude de 45o17’N, inserida em uma área semidesértica, ao lado da região desértica a Noroeste do mar Cáspio e ao Norte da cordilheira do Cáucaso, cuja altimetria média passa dos 2.000 metros acima do nível do mar. Na série da normal climatológica de 1991‑2020, tivemos o registro de 44,4 °C, em julho de 2010, mas a mesma série indicou uma baixa temperatura de -33,5 °C, em fevereiro, no mesmo lugar, embora suas médias sejam de apenas 24,0 °C, em julho e −10,0 °C, em janeiro.
Observemos que as condições de tempo meteorológico em Moscou podem ser consideradas bastante agradáveis para o mês de maio, quando a duração diurna do dia alcança 16 horas e 17 minutos. O nascer do Sol ocorre por volta das 4h18 e seu ocaso, às 20h35. A média da temperatura máxima do ar da estação sazonal é de 20 °C, enquanto que a média da temperatura mínima da mesma estação de primavera é de 15 °C. Portanto, estatisticamente, a temperatura média para o mês de maio em Moscou fica em torno dos 17 a 17,5 °C.
Cálculos e valores médios feitos pelo homem, porém, não expressam regras que a natureza climática precisa seguir, pois, conforme o quadro meteorológico em questão, as coisas podem mudar drasticamente. Essas informações nos servem como guias para nos nortear frente a nossa enorme ignorância de todos os estágios e escalas que regem a atmosfera da Terra sobre os mais variados lugares.
Para o caso de Moscou, facilmente encontramos observações que contrastaram drasticamente das temperaturas médias sazonais para o referido mês de maio. Como exemplos recentes, temos 2014, cuja temperatura máxima alcançou os 30 °C, enquanto que em 2017, logo após o “super El Niño” de 2015-1016, a temperatura mínima foi de apenas 2 °C. Para o ano de 2024, esperava-se um maio com pelo menos 20 dias com temperaturas superiores aos 18 °C, mas isto não aconteceu. Essa é a prova da “mudança climática”? Não. É o clima sendo o que ele é, ou seja, variável. Também vale lembrar que, mesmo na colcha de retalhos de dados russos de 204 anos, utilizando os registros das 306 estações meteorológicas de superfície abaixo dos 1.070 metros de altitude, verifica-se que o verão mais quente, de junho a agosto, continua sendo o do ano de 1938, com uma temperatura média diária ao redor de 20 °C.
Enfim, tivemos o nosso solstício de inverno e sua noite mais longa do ano, enquanto que lá no hemisfério Norte, eles tiveram o seu solstício de verão e seu dia mais longo. As estações sazonais estão aí, inverno cá, verão lá, mas a variabilidade climática e sua gama de surpresas, um jogo fascinante de possibilidades, também.
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