Pode-se forçar tudo na política,
menos o calendário.
Bruno Le Maire
Uma das contribuições mais significativas da civilização cristã e ocidental à humanidade é a contagem do tempo e o atual calendário. Qual a razão e desde quando o ano começa à zero hora do dia 1º de janeiro? Foram séculos até o Ocidente criar e adotar plenamente o calendário atual. Nos primeiros séculos do cristianismo, em qual data se iniciava o ano e desde quando se contavam os anos? Na origem, havia três calendários: judaico, romano e litúrgico ou religioso, o da Igreja. Nenhum satisfatório.
O calendário judaico, herdado dos babilônios, era essencialmente lunar. Os nomes atuais dos meses judaicos são de origem assiro-babilônica e foram assimilados pelo povo hebreu durante seu exílio na Babilônia, no século 4 antes de Cristo (a.C.). São necessários ajustes complexos para esse calendário encaixar-se no ano solar e para a Páscoa acontecer sempre na primavera, por exemplo. O início do ano (Rosh Hashaná) é uma data móvel. O Rosh Hashaná não pode começar em um domingo, quarta-feira ou sexta-feira. A festa do Dia do Perdão, do Yom Kippur, não pode cair em uma sexta-feira ou domingo, e a festa do Purim não pode ocorrer em uma segunda-feira ou sábado. São necessários numerosos ajustes. Os anos são contados desde a “criação do mundo”, 5,7 mil anos atrás. Um planeta bem rejuvenescido.
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O calendário romano ou juliano é solar e foi herdado dos astrônomos sacerdotes egípcios. Eles estabeleceram um ano de 365 dias, por volta do ano 2800 a.C. Os anos eram contados a partir da data de fundação de Roma, o ano 753 a.C. A data de início de cada ano era fixa, nas calendas de março ou no primeiro dia de março. Ele passou por diversas evoluções. Ainda é utilizado pelos cristãos ortodoxos em vários países, como calendário religioso. Nele, anos bissextos ocorrem sempre de quatro em quatro anos. No calendário atual, não.
“Dadas as confusões e as divergências entre o calendário judaico e o romano, havia várias datas para o início do ano e para a festa da Páscoa.”
Inicialmente, nos primeiros séculos, o calendário litúrgico ou religioso dos cristãos tinha como referência principal a Páscoa, a data da morte de Jesus. Dadas as confusões e as divergências entre o calendário judaico e o romano, havia várias datas para o início do ano e para a festa da Páscoa. No século V, o papa João I decidiu dar fim às “querelas pascais” e realizar um ajuste entre o calendário litúrgico, o lunar judaico e o solar romano. Para isso, o papa designou o monge Dionísio, o Exíguo (humilde), um erudito, canonista, tradutor, astrônomo e matemático.
O estudo para definir o início do ano
Seu estudo, publicado no ano 525, foi uma revisão completa da divisão do tempo e uma grande reviravolta. Ele sugeriu ao papa basear a contagem do tempo não mais na morte, mas no nascimento do Cristo. E tomar essa data como a do início da nova Era Cristã: o dia 25 de dezembro do ano 753 do calendário romano. Estava encerrada a Era dos Césares. O monge Dionísio estabeleceu o conceito do Ano do Senhor, Anno Domini (A.D.) ou Ano da Graça, Anno Gratis, em vigor até os dias atuais. Agora, A.D. 2025.
A Igreja Católica arbitrou e definiu como data para início do ano, o dia 1º de janeiro e não o 25 de dezembro, por razões religiosas. A vinculação oficial de Jesus ao seu povo e a Deus não ocorreu no seu nascimento e sim no dia da circuncisão, da apresentação no templo, de sua primeira manifestação pública. Na tradição judaica, esse rito de identificação da pessoa e de seu vínculo com Deus e Israel, ocorria uma semana depois do nascimento.
“O ano 1 a.C. foi imediatamente sucedido pelo ano 1 d.C.. Resultado: o primeiro século da Era Cristã teve 99 anos.”
Só por esse deslocamento de data, Jesus já teria nascido um ano antes do ano 1 da Era Cristã. Não havia ano zero nesse cálculo. A contagem dos anos assemelha-se à ordem dos números inteiros, com a exceção de um ano zero, inexistente. O ano 1 a.C. foi imediatamente sucedido pelo ano 1 d.C.. Resultado: o primeiro século da Era Cristã teve 99 anos.
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Naquele tempo, o zero não integrava facilmente cálculos matemáticos com algarismos romanos. Esse e outros fatores levaram o monge matemático Dionísio, a um pequeno erro de cálculo. Jesus nasceu no reinado de Herodes, entre os anos 3 e 6, antes da Era Cristã. Até o papa Bento XVI mostrou este pequeno erro em sua obra A Infância de Jesus. Apesar das dificuldades de comunicação, das diversidades culturais e políticas, a nova contagem do tempo foi adotada, aos poucos, na Europa e alhures.
Outros calendários
Por mais de um milênio, o Ocidente viveu sob o calendário juliano, instituído por Júlio César, em 46 a.C.. Com imprecisões e deriva temporal, os equinócios se distanciaram da data real em cerca de dez dias no século 16. Sob determinação do papa Gregório XIII, em 1579, matemáticos e astrônomos jesuítas das universidades de Salamanca e Coimbra trabalharam nas bases de um novo calendário. Em 24 de fevereiro de 1582, pela bula Inter gravissimas, o papa lançou o Calendário Gregoriano, adotado de imediato em Portugal, Espanha e Estados Pontifícios. Logo nos países protestantes e, hoje, em todo o planeta. A expressão carpe diem assumiu, desde então, todo o seu significado (Revista Oeste, Edição 196).
Se dependesse do movimento da Terra em torno do Sol, a passagem do ano nunca seria à meia-noite. A Terra realiza uma translação completa em 365,256363 dias solares ou 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45,2 segundos. Para festejar a virada de ano sempre à meia-noite, o número de dias precisa ser um inteiro e não uma fração. Para tornar isso possível e evitar deslocamentos temporais, o ajuste final veio com o calendário gregoriano. Outra revolução. Um ganho excepcional de precisão no cálculo do tempo. E elegante, com um acerto nos anos bissextos. Não são bissextos os anos seculares, salvo múltiplos de 400, como o ano 800 ou 1600, por exemplo.
Sem esses ajustes, o calendário juliano, ainda em uso pelos cristãos ortodoxos, acumula uma diferença para o gregoriano de 13 dias. O dia 31 de dezembro de 2024 no calendário gregoriano é dia 18 de dezembro de 2024 no calendário juliano. A chamada Revolução de Outubro, russa e bolchevique, na realidade ocorreu em novembro. Em 25 de outubro de 1917, segundo o calendário juliano então em vigor na Rússia dos Czares, ocorreu a tomada do poder em São Petersburgo. De fato, era o dia 7 de novembro no calendário atual, o gregoriano. De lá para cá, os russos deixaram o comunismo e o calendário juliano. Ou quase.
A contagem atual de um ano
O jeito atual de contar o tempo ainda não tem 500 anos de existência — e é um sucesso. O calendário gregoriano é o padrão internacional de registrar o tempo, reconhecido pela Organização das Nações Unidas e pela União Postal Universal. Isso justifica-se tanto pelo peso da tradição ocidental, quanto pela precisão astronômica do calendário gregoriano. Ele estabeleceu até uma ISO específica para se datar: a ISO 8601.
Existe um discurso woke, politicamente correto, associado à cultura do cancelamento e da censura, onipresente na internet, sobre o calendário e a marcação do tempo. Ele busca eliminar as referências a Cristo no calendário e trata diversos desses eventos e passos históricos na construção do atual calendário como arbitrariedades. Anacrônicos, esses canceladores e censores ideológicos apontam todas essas datas estabelecidas pela Igreja ao longo de séculos como arbitrárias. Nada mais distante da verdade.
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“O calendário universal é o Ocidental, o Gregoriano, o estabelecido pela Igreja Católica. Tem muito ‘desconstrucionista’ incomodado com este fato”
Essas datas do atual calendário foram arbitradas, e não arbitrárias, com os melhores critérios em seu contexto histórico. Inúmeras questões necessitam de arbítrio. Não há livre arbítrio no calendário. Nem há receita na Bíblia para calcular o tempo. Ele foi arbitrado várias vezes, com recurso aos melhores cientistas de cada época, por uma das maiores autoridades temporais, a Igreja. O Tempo Ocidental se impôs aos do Oriente e alhures. Algo distante de qualquer arbitrariedade.
O calendário universal é o Ocidental, o Gregoriano, o estabelecido pela Igreja Católica. Tem muito “desconstrucionista” incomodado com este fato. Na vida civil e civilizada, o calendário gregoriano substituiu outros calendários (muçulmano, judaico, chinês, juliano…), limitados a usos religiosos e tradicionais. Quem regula voos de aviões, satélites, tratados internacionais, GPS de máquinas agrícolas, pagamento de boletos e o cotidiano de bilhões de pessoas é o calendário cristão, papal, romano e gregoriano, criado e estabelecido progressiva e cientificamente pela Igreja.
N’en déplaise a ideologia woke, anticristã e antiocidental, o calendário gregoriano é um marco científico da Cristandade e de seu relativo domínio do Chronós, do Tempo. Dele, ninguém escapa, do Réveillon ao Natal, passando por Páscoa e Carnaval. Pode tentar.
Leia também: “A ressurreição da fé”, artigo de Ana Paula Henkel publicado na Edição 249 da Revista Oeste
Pronto, agora ja sei conversar sobre calendários também. Grata Prof Evaristo pela excelente explicação de toda essa celeuma que foi para os nossos antepassados, criar um calendário. Felizmente fizeram isso de forma exemplar e nos podemos usufruir de toda essa sabedoria.
Maravilhoso este artigo do Dr. Evaristo. Leitura obrigatória!
Parabéns!
Excelente texto, informação esclarecedora e contribuição de grande atualidade, mesmo decorridos 2024 anos!
Belíssima aula, um resgate histórico. Uma ponte entre o passado, a ciência, o presente e um norte poderoso para nosso futuro, longe da nefasta ideologia woke.
Este artigo do professor Evaristo fecha. com erudição, informação e esperança, este AD 2024. Aprendei muito com seus artigos ao longo do ano, especialmente sobre a dimensão e a relevância para o Brasil da sua agropecuária, do seu agronegócio, ainda desconhecidas por muitos brasileiros urbanos. E um agro, combatido por um Governo perdulário e anti produção e eficiência, pela turma do subdesenvolvimento sustentável. Venha AD 2025 com produção e inovação.
Evaristo de Miranda é fera, estuda muito um assunto, e assim não deixa espaços aos “do contra”. Parabéns