A Venezuela é uma democracia política ou não? Os que afirmam que “sim” citam a ocorrência de eleições periódicas, a existência de uma constituição democrática garantidora de direitos fundamentais, a atuação de partidos de oposição e de opositores fora da cadeia, e assim por diante. Os que afirmam que “não” citam a falta de alternância no Poder Executivo, o aparelhamento dos Poderes Judiciário e Legislativo pelos que ocupam o Executivo, as fraudes nas eleições — e assim por diante.
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Há vários indicadores de “saúde” de democracias políticas, levantados por organizações privadas e públicas internacionais e, infelizmente, a Venezuela não se sai muito bem na maior parte dos índices mensurados. Afinal de contas, no caso de eleições, por exemplo, estas também ocorrem na Coreia do Norte com resultados bem previsíveis: vitórias contínuas dos governantes, em geral por unanimidade. É provável que não haja nenhum país no mundo atual que se aproxime tanto de uma monarquia absoluta quanto a Coreia do Norte, governada pela mesma “família real” há mais de 50 anos.
Mas, por mais interessantes que sejam estas questões, a ocorrência delas é bem surpreendente. Dois náufragos, perdidos no meio do oceano há mais de uma semana, sem comida e com um estoque de água mínimo, debatem acaloradamente se viveram ou não em um país democrático. Espantoso!
“O número de refugiados da Venezuela espalhados pelo mundo é maior do que o número de refugiados sírios, e meio que empata com o número de refugiados ucranianos”
A Venezuela, entre 2014 e 2020, sofreu a maior contração econômica registrada no Produto Interno Bruto (PIB) real de um país desde que começaram a levantar metodicamente a evolução dos produtos internos brutos das nações do planeta. A Venezuela perdeu 75.5% do seu PIB real neste período. Após uma tênue recuperação nos dois primeiros anos da atual década, houve uma queda de produção de 8.3% no primeiro trimestre de 2023, em relação ao trimestre anterior.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o número de refugiados da Venezuela espalhados pelo mundo é maior do que o número de refugiados sírios, e meio que empata com o número de refugiados ucranianos. Isto porque os venezuelanos votaram e votam com os pés, saem o mais rapidamente possível de seu país.
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Situação atual do naufrágio venezuelano
Atualmente, cerca de 30% dos domicílios venezuelanos recebem transferências monetárias do exterior, possivelmente de parentes que conseguiram sair anteriormente. O PIB per capita despencou e a pobreza se alastrou como uma pandemia. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação vai ultrapassar 400% em 2023.
Na Venezuela, o dinheiro em circulação é o “odiado” dólar, porque ninguém vai entregar uma mercadoria ou um serviço valioso em troca de duvidosos bolívares. É interessante notar que, embora o governo venezuelano considere a China como parceiro preferencial, nem o próprio governo nem a população aceitam o iuan como moeda; quem circula mesmo é o dólar.
O governo norte-americano estabeleceu sanções contra a Venezuela depois de empresas dos Estados Unidos, atuantes no país sul-americano, terem sido expropriadas sem indenizações adequadas, segundo alegam. Estas sanções teriam atingido as exportações venezuelanas, em particular as exportações de petróleo, causando os atuais problemas econômicos do país.
A fantasia do poder norte-americano contra a Venezuela
É surpreendente pensar que o governo norte-americano tenha tanto poder a ponto de destruir economicamente 75% de um país, com suas sanções. É um poder incrível! Mas, felizmente não existe. A Venezuela tem enormes reservas de petróleo, o qual exporta. E o petróleo é uma commodity com cotação em mercados internacionais (fica na Europa, um grande mercado internacional de petróleo). Se os Estados Unidos se negam a comprar o petróleo venezuelano, é perfeitamente possível para a Venezuela vendê-lo em mercados internacionais para outros países.
A grande empresa venezuelana produtora tornou-se imensamente ineficiente
Aliás, é o que vem acontecendo atualmente com a Rússia: após as sanções econômicas que sofreu devido à guerra da Ucrânia, aumentou e muito suas exportações de petróleo para a China e para a Índia. Aparentemente, os venezuelanos não conseguem fazer isso, embora os chineses estejam dispostos a comprar grandes quantidades de seu petróleo. Mas sua produção de petróleo foi travada ideologicamente: a grande empresa venezuelana produtora tornou-se imensamente ineficiente, e os venezuelanos são subsidiados enormemente na compra doméstica de produtos de petróleo (o que aliás, não evitou a inflação galopante)
Enfim, há um naufrágio nacional de grandes proporções, vizinho, bem ao norte do Brasil. Lá, a comida e a água estão acabando e as pessoas ficam discutindo se há ou não uma democracia no país!
Leia também: “Ópera dos farsantes”, artigo de Augusto Nunes publicado na Edição 167 da Revista Oeste
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Por Antonio Carlos Porto Gonçalves. Conselheiro superior do Instituto Liberal, graduado em engenharia industrial e metalúrgica pelo Instituto Militar de Engenharia e mestre e doutor em economia pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.