Pandemia de covid pode se tornar endêmica
O mundo adentra no terceiro ano de pandemia. Apesar da explosão no número de casos em todo o mundo em razão da Ômicron, especialistas acreditam que o surgimento dessa variante pode significar a transição da pandemia para uma endemia.
O primeiro governante a admitir publicamente esta possibilidade foi o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, que disse em entrevista ser possível futuramente tratar a covid-19 de forma semelhante a uma gripe comum. Sánchez argumenta que a baixa letalidade da Ômicron poderia fazer com que a pandemia possa ser rebaixada como uma endemia.
Mas o que é preciso para que a covid-19 se torne uma doença endêmica? Oeste conversou com especialistas para entender o atual momento da pandemia.
Entenda as diferenças entre epidemia, endemia e pandemia
De acordo com o médico infectologista Edimilson Migowski, professor de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os termos endemia, epidemia e pandemia são utilizados para descrever o alcance de uma doença, sem guardar relação com a letalidade delas.
Confira as diferentes classificações, segundo Migowski:
Endemia: situação em que uma doença infecciosa está presente há algum tempo em alguma região. Assim, sua dinâmica é melhor entendida e há possibilidade de estimar o número de casos esperados. Quando o número está dentro do limite esperado, é chamado de endemia. Um exemplo disso é a febre amarela: o Norte do Brasil é considerado uma região endêmica da infecção.
Epidemia: quando existe uma dispersão e crescimento de alguma doença de forma acima do esperado para a série histórica da enfermidade. Depois de atingir diversos países na África, o ebola passou a ser considerado uma epidemia em 2014.
Pandemia: é o nome dado quando a doença tem alcance global. Neste caso, é a OMS quem faz a determinação. Um dos critérios utilizados é a transmissão ativa em pelo menos três continentes, afetando frequentemente um grande número de pessoas. Antes da covid-19, a gripe A (ou gripe suína) foi declarada uma pandemia em 2009.
O posicionamento da OMS
Ao decretar a pandemia de covid-19, em março de 2020, o diretor da OMS, Tedros Adhanom, disse que o principal critério para a decisão não foi a gravidade da nova doença, mas, sim, a sua rápida disseminação geográfica.
“Pandemia não é uma palavra a ser usada de forma leviana ou descuidada. É uma palavra que, se mal utilizada, pode causar medo irracional ou aceitação injustificada de que a luta acabou, levando a sofrimento e morte desnecessários”, disse Adhanom na época.
Na quarta-feira 19, Adhanom alertou novamente os líderes mundiais de que a rápida disseminação da covid-19, devido à variante Ômicron, mostra que a pandemia ainda “não está nem perto do fim”.
O chefe da OMS advertiu ainda que “com o incrível crescimento global da Ômicron, novas variantes provavelmente surgirão, e é por isso que o rastreamento e a avaliação permanecem críticos”.
A taxa de transmissão
Segundo o microbiologista Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), a maneira técnica de se determinar se existe estado endêmico ou epidêmico em uma região é avaliar a taxa de transmissão, conhecida como “Rt”.
Essa taxa determina o potencial de propagação de uma doença sob determinadas condições. Se o Rt for superior a 1, cada pessoa transmite a pelo menos mais uma pessoa. Se for menor que 1, cada vez menos pessoas são infectadas e caracteriza-se um estado endêmico.
O mundo registra uma taxa de transmissão média do coronavírus de 1,04, segundo dados publicados na segunda-feira 17 pela plataforma Our World in Data, projeto ligado à Universidade de Oxford.
O país que apresenta hoje a maior taxa de transmissão é o Nepal, com Rt de 2,67. No momento mais crítico da pandemia, a taxa chegou a 6 em alguns países. Atualmente, o Reino Unido registra taxa de 0,69, o Brasil, 1,81 e os Estados Unidos, 1,25.
Baixa letalidade e imunidade de rebanho
Desde o fim de dezembro, o mundo tem registrado uma explosão de casos de covid impulsionada pela alta transmissibilidade da variante Ômicron. Contudo, o que poderia ser motivo de pânico, pode ser uma boa notícia diante da baixa letalidade desta variante em comparação com as anteriores.
Segundo Paolo Zanotto, a pandemia vive um momento de possível estabilização natural do vírus. O Sars Cov-2 estaria tentando se adaptar ao sistema onde está replicando, no caso, o corpo humano. Assim, a tendência é que fique cada vez menos letal.
Além disso, ele explica a maior transmissibilidade está tornando a Ômicron dominante em todo o mundo, deslocando as variantes mais letais. Uma vez que os casos com a nova cepa são mais leves, esse cenário também contribui para o aumento do número de pessoas com imunidade natural ou de rebanho, adquirida pela infecção.
“O que está acontecendo não é algo inesperado. Historicamente isso aconteceu com outros vírus, como o da gripe, que matou muita gente quando começou a infectar a humanidade, em meados de 1.200, e que hoje é bem tolerado por nós”, diz Zanotto.
Mas Zanotto observa que mesmo diante desse possível cenário positivo, ainda é cedo para anunciar o fim da pandemia, pois nada impede o surgimento de outra variante problemática.
Ele explica que a mutação que resultou na Ômicron foi uma casualidade, mas que o vírus poderia ter sofrido alterações e se tornado mais agressivo para o ser humano. Neste cenário, diz Zanotto, estaríamos “em um dos momentos mais pavorosos da história da humanidade”, com pessoas morrendo aos milhares nas ruas.
Para Zanotto, a OMS vai levar em consideração a baixa letalidade e uma possível imunidade de rebanho gerada pela explosão de casos de covid ao analisar a possibilidade de encerrar a pandemia.
Em 2009, quando o mundo enfrentou a pandemia de gripe suína, também chamada de H1N1, a OMS seguiu um protocolo de 6 fases. Segundo a escala, de 1 a 3, haveria pouca chance de pandemia. De 4 a 5, de média a alta probabilidade. A fase 6 declarava a pandemia após haver pelo menos 3 países em estágio de epidemia.
No início pandemia de covid-19, em fevereiro de 2020, a OMS informou que deixou de utilizar o sistema de fases. Oeste entrou em contato com a organização para entender se há um novo plano de fases para o controle da pandemia de covid-19. Até o momento desta publicação não recebemos retorno.
Ômicron no Brasil
De acordo com Raphael Guimarães, doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Observatório Covid -19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), não há como definir um prazo para o término da pandemia. Segundo ele, a expectativa da Fiocruz é que nas próximas semanas ocorra ainda um alto número de novos casos e haja aumento gradativo da ocupação de leitos.
No entanto, caso o Brasil acompanhe a tendência dos demais países com transmissão da Ômicron, é possível que a incidência caia rapidamente em algumas semanas. Dessa forma, a taxa de ocupação de leitos em hospitais poderá variar de acordo com o tempo que os Estados e municípios demorarão até adotar os planos de enfrentamento novamente, com reabertura de leitos.