Começa neste domingo, 16, o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), e o ditador Xi Jinping, depois de 10 anos à frente do partido e da República Popular da China, deve ser reconduzido para um terceiro mandato de 5 anos. Se isso acontecer — e é praticamente uma certeza entre analistas do mundo todo — será a primeira vez, desde a tomada de poder pela revolução comunista liderada por Mao Tsé-tung, em 1949, que um presidente chinês ficará no cargo por três mandatos.
Rafael Fontana, jornalista que viveu na China entre 2015 e 2018, estava em Pequim durante o último congresso do PCC, em 2017, quando Xi foi conduzido ao cargo pela segunda vez. Naquela ocasião já se falava de um terceiro mandato, diz o jornalista, que trabalhou na tradução do discurso final do ditador “confinado em um hotel, com 20 jornalistas de outras nacionalidades, sem acesso a celular ou internet”.
“Naquele momento já havia essa informação. A recondução é certa porque não existe dentro do comitê permanente, ninguém que tenha sido preparado para isso”, explica Fontana, autor do livro Chinobyl: Uma jornada pelas entranhas da ditadura comunista. O politburo — o centro decisório do PCC — é formado por 25 membros e, nos congressos anteriores, um deles já costumava ser “lançado” como próximo presidente.
Em 2018, Xi conseguiu alterar a legislação do país e mudar a regra de mais de 40 anos que permitia apenas uma recondução de cada presidente para a recondução ilimitada. Além de presidente do país, é o secretário nacional do PCC e chefe das Forças Armadas, o Exército Popular Chinês. Na imprensa oficial, há muitas publicações sobre a Década dos Milagres, com destaque aos feitos do ditador nos dez anos de governo.
“Xi Jinping tem um poder muito grande. Talvez seja a vez que ele vá ganhar com menos oposição, não porque a oposição está do lado dele, mas porque ele fechou muito o regime”, afirma Eduardo Meira, analista e professor de idiomas que deu aulas na Universidade de Mídia de Hebei, em Shijiazhuang, capital de Hebei, no norte do país, entre 2013 e 2017, período em que morou na China. “A mão de ferro dele está mais pesada do que nunca.”
A mão de ferro de Xi calou opositores, reprimiu empresas, demitiu inimigos e obrigou — e obriga, agora, em 2022 — milhões de chineses a ficar em casa em qualquer surto de covid-19 e a se submeter a constantes testes para detectar a doença.
A política de covid zero levou sofrimento, fome e insatisfação aos chineses. Soma-se a isso, a derrocada da economia, que cresceu nas duas décadas entre 1991 e 2010 a uma taxa média de 10% ao ano, maior do que qualquer outro país no mesmo período. Com a pandemia, em 2020, a economia chinesa cresceu apenas 2,2%; recuperou-se brevemente em 2021, crescendo 8,1%. E neste ano, o Banco Mundial prevê que o crescimento seja de apenas 2,8% e 4,5% em 2023. A meta oficial do governo para 2022 é de 5,5%.
Neste cenário, os dois analistas acreditam que a recondução do ditador chinês possa ser catastrófica para a China e para o mundo.
“Xi Jinping tem uma visão mais ideológica, mais centrada na defesa nacional do que no crescimento econômico”, avaliou Meira. Por isso — e com o objetivo de evitar chegar ao congresso do partido com milhões de infectados por covid — Xi tem mantido até agora as rígidas políticas de lockdown, que contribuíram para o fracasso econômico.
“Quanto mais comunismo, melhor”
Um prognóstico mais preciso do futuro da China sob um terceiro mandato do ditador dependerá do discurso de Xi Jinping no Congresso — que, a exemplo dos anos anteriores, deve ser uma longa declaração de intenções, metas e políticas — e das nomeações do politburo. Todas as discussões internas, com 2,3 mil delegados do PPC, ocorrem a portas fechadas e a imprensa fica sabendo do debate apenas por entrevistas, ao final de cada reunião.
Meira explica que a posição de Xi é absolutamente voltada para as políticas comunistas, centralizadoras e nacionalistas, o que pode representar uma “tragédia” para a China. “Um termo que deve aparecer muito no discurso será a “prosperidade comum”, diz o analista, referindo-se às promessas do ditador de “tirar o restante da China da pobreza”. “Eu acho que a política econômica vai ficar bem baseada nisso.”
Nesta política, poderão vir programas de transferência de renda, confisco, regulação fiscal e desestímulo a luxos da classe média, regulamentação e restrição de empréstimos. “Ou seja, quanto mais comunismo melhor”, resume Meira.
Outro problema para a China e para o mundo poderá ser a limitação das importações e tentar tornar o país autossuficiente especialmente em produtos alimentícios. “Ele quer abastecer a China com o made in China”, define o analista.
Reintegração forçada
Também será preciso esperar os próximos passos para saber se Xi se sentirá mais à vontade para a invasão de Taiwan, ilha que considera propriedade chinesa, e onde estão os dissidentes que deixaram a China continental depois que o PCC tomou o poder. “O interesse de Xi Jinping é, assim que ele estiver consolidado no terceiro mandato, começar a pensar numa reintegração forçada de Taiwan”, sugere Fontana.
Nos últimos dez anos, Xi reorganizou o Exército de Libertação Popular, dobrou seu orçamento e começou a trabalhar para aumentar o arsenal nuclear da China. Em 2021, o orçamento das Forças Armadas foi de US$ 200 bilhões, o dobro despendido em 2011, ano que antecedeu o início do governo de Xi.
Fora de combates desde 1979, o país se diz preparado para um confronto, especialmente se as eleições nos EUA e em Taiwan em 2024 resultarem em líderes dispostos a abraçar a independência da ilha.
No mesmo suspense fica Hong Kong, que teve protestos por democracia violentamente reprimidos em 2019 — mesmo com a promessa do governo chinês de manter a Província com independência e democracia até 2047 — data em que terminar o acordo de 50 anos feitos com a Inglaterra em 1997, quando o território foi devolvido à China.
A oposição também foi reprimida Xinjiang, Província ao noroeste, onde mais de um milhão de pessoas de minorias étnicas e religiosas, especialmente os muçulmanos uigures, foram aprisionadas em campos de trabalho, que o PCC chama de campos educativos.
O Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas, em um relatório, acusou a China de crimes contra a humanidade. O Conselho de Direitos Humanos não aprovou a discussão do relatório, que poderia resultar em sanções ao governo chinês.
Dissidência e turbulências
Num cenário assustador, mas também otimista, a prorrogação do mandato de Xi Jinping poderá ser, também, a causa ou pelo menos o início da derrocada do sistema. “A partir de 2023 poderá haver muita turbulência”, prevê Fontana.
Embora a China tenha um partido único, com mais de 95 milhões de filiados, há facções dentro dele e algumas formadas por opositores de Xi. O jornalista acredita que grupos dissidentes – que acreditam que um terceiro mandato não é legítimo — esperam a posse para agir. Embora a China seja uma ditadura, o viés democrático — na escolha periódica de um presidente — é muito caro entre os membros do PCC.
“É estranho e contraditório, mas a Constituição da China fala em ditadura democrática e essa falta de oxigenação no poder é motivo de insatisfação para dissidentes”, afirma Fontana.
Essa dissidência, considera Fontana, poderá fazer com que chineses que moram no exterior — o governo não informa o número exato, mas seriam entre 55 milhões e 85 milhões — também comecem a insurgir contra o ditador. Isso poderia desencadear um efeito em cascata e balançar o regime comunista. Macau e Hong Kong poderiam aderir a esses movimentos por mais liberdade e contra o regime comunista. “Acho que não demora mais de um ou dois anos para a gente ver esses protestos”, arrisca.
Nesse caso, estaria em jogo a própria unidade da China, já que com uma instabilidade no governo central, as regiões separatistas, como Tibete, Xinjiang e a Mongólia Interior, a mais aculturada das três, que correspondem a praticamente um terço do território chinês, poderiam fazer desintegrar o país.
“As coisas ficarão mais claras depois do discurso e quando ele assumir o novo mandato, mas vejo colapso e desespero nos próximos cinco anos”, avalia Eduardo Meira. “E isso será ruim porque toda essa ideologia exacerbada pode se transformar em uma mão ainda mais pesada dentro da China”, finaliza.
Infelizmente não vi nada escrito sobre impositor dele no comando da China, faz, mas de 90 dias que não vejo nenhuma reportagem sobre ele , inclusive, ida disputar as eleições do Partido Comunista Chinês .