A viagem a Taiwan de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, ganhou os holofotes na semana passada e elevou a temperatura na região. Desde a visita da democrata, a China impôs sanções econômicas contra o vizinho e iniciou uma série de exercícios militares ao redor do arquipélago.
Em linhas gerais, Pelosi jogou mais pólvora em uma bomba que pode explodir a qualquer momento. Isso porque China e Taiwan têm uma “questão familiar” longe de ser apaziguada. Há anos, os chineses consideram a ilha como parte integrante de sua república comunista. Já os taiwaneses pensam diferente.
Especula-se na imprensa norte-americana que Nancy tem negócios com empresas de semicondutores de Taiwan e passou pela ilha para colher dividendos eleitorais. Em novembro, nas eleições legislativas, os democratas devem perder o controle do Parlamento para o Partido Republicano.
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Origem da tensão entre China e Taiwan
Taiwan é uma democracia, com liberdade de imprensa. Também tem uma economia própria e pujante: é a 21ª do mundo (razoável para um país de apenas 23 milhões de habitantes). Além disso, sua indústria de tecnologia tem um papel importante: é líder global no fornecimento de chips semicondutores.
A ilha deixou de fazer parte da China em 1949, quando o Partido Nacionalista Chinês (conhecido como Kuomintang) foi derrotado pelo Partido Comunista, de Mao Tsé Tung, explicou Marcus Vinicius de Freitas, especialista em Taiwan. “Os líderes do Kuomintang fugiram do continente e estabeleceram uma nova capital em Taiwan”, disse. “Pelo ponto de vista deles, a ilha agora é a nova China.” O nome oficial de Taiwan é República da China, enquanto sua rival tem uma palavra a mais na certidão: República Popular da China.
Em 1949, a cadeira chinesa na ONU passou a ser ocupada por Taiwan. Naquela época, a China comunista era tida como pária internacional, mas o cenário mudou em 1971, quando o país obteve um reconhecimento internacional abrangente com a visita do então presidente dos EUA, Richard Nixon. Dali em diante, a China continental assumiu o posto da China insular e Taiwan segue fora da ONU. Hoje, apenas 15 países reconhecem Taiwan como nação soberana (o mais relevante entre eles é o Paraguai).
Enquanto isso, o Partido Comunista acredita na tese segundo a qual há uma só China, e que Taiwan faz parte dela. Mesmo assim, a soberania da ilha existe na prática (ela tem suas próprias Forças Armadas, Parlamento, presidente e economia), mas não se sabe por quanto tempo essa liberdade vai durar.
Ucrânia x Rússia
Os chineses têm tolerado a autonomia de Taiwan. A ameaça de invasão, contudo, oscila de tempos em tempos e ganhou mais intensidade recentemente. Não porque os taiwaneses fizeram algo diferente ou mais ousado do comum, mas por causa dos movimentos geopolíticos de outros países.
A invasão russa na Ucrânia pode parecer aos chineses um bom pretexto. Se a Rússia ataca um país reconhecidamente soberano, por que a China não tomaria, com mais de 2 milhões de soldados, uma ilha que até a Organização das Nações Unidas diz que pertence a ela?
Em meio a tudo isso, há o fator de desmoralização dos Estados Unidos perante o mundo em virtude das políticas atabalhoados do presidente Joe Biden. A primeira delas foi a retirada desastrosa das tropas norte-americanas do Afeganistão, no ano passado. Acrescente-se a isso a viagem de Nancy Pelosi.
Possível conflito
Rafael Fontana, jornalista e autor do livro Chinobyl: Uma Jornada pelas Entranhas da Ditadura Comunista, explica que Biden criou “um grande impasse internacional” ao deixar a Ucrânia sozinha no confronto com a Rússia.
Fontana não descarta uma invasão chinesa a Taiwan. Ele avalia, contudo, que isso demoraria mais, sobretudo porque o Partido Comunista da China vai realizar uma convenção em outubro. Nela, o secretário-geral da sigla, Xi Jinping, deve receber um terceiro mandato inédito. Portanto, uma guerra neste momento não seria vantajoso para Xi.
“Uma invasão pode ocorrer a qualquer hora”, constatou Fontana. “Mas, para isso, exige-se um longo processo que demanda tempo, mobilização de soldados, equipamentos e muito dinheiro. Não se invade uma ilha tão facilmente. Não se pode esquecer ainda da possível participação de outros países na defesa de Taiwan, como os próprios Estados Unidos.”
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