O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, antecipou as eleições presidenciais para 28 de julho, data de aniversário de seu antecessor, Hugo Chávez. A data simbólica e a medida inesperada dão o tom de como será o processo de sucessão no país cuja competitividade está sendo artificialmente extinta pelo regime.
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“Podemos ter um processo de votação, mas a população vai ser impedida de eleger o candidato que considera que é a melhor opção para gerir o rumo do país”, diz o cientista político venezuelano William Clavijo Vitto. “Então, temos que refutar a ideia de eleição.”
Ao fim do prazo para registro das candidaturas na última segunda-feira, 25, nem mesmo a substituta da líder da oposição, María Corina Machado, conseguiu ser inscrita por uma coalizão de partidos não barrados pelo regime. Além disso, a professora Corina Yoris, do grupo de Corina Machado, ficou de fora e a oposição conseguiu registrar apenas um “candidato provisório”. Os demais inscritos, além de Maduro, são candidatos alinhados ao regime ditatorial ou de uma “oposição de aparência”.
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Isso quer dizer que as eleições deste ano devem repetir o processo de 2018, quando Maduro foi “reeleito”. Feito que acabou não reconhecido pela maioria dos países democráticos e organismos internacionais do Ocidente.
A diferença é que agora o autoritarismo está ainda mais incrustado nas instituições venezuelanas, e Maduro deve adotar todas as medidas para evitar uma derrota. Para Clavijo Vitto, até mesmo a desconhecida Corina Yoris, com o capital político de María Corina, vencedora das prévias da oposição no ano passado, teria chances de derrotar Maduro. E por isso foi barrada. “O chavismo é um movimento popular em declínio”, declarou o cientista político. “Maduro é um político altamente impopular que, em um contexto de eleição competitiva, não teria nenhuma chance de vitória.”
Entrevista sobre o processo eleitoral na Venezuela
Veja os principais trechos da entrevista concedida pelo cientista político venezuelano William Clavijo Vitto a Oeste. Em pauta, o processo eleitoral da Venezuela.
As eleições marcadas para 28 de julho serão transparentes, limpas e democráticas na Venezuela?
Não. Infelizmente, caminhamos para um processo que não reúne as condições para ser uma eleição competitiva, transparente, verificável e com as condições mínimas adequadas para garantir que a vontade popular seja respeitada. Isso tem sido devidamente denunciado pelas forças democráticas da oposição, inclusive pela sociedade civil. A gente observa que o calendário eleitoral foi feito sem respeitar prazos mínimos necessários para garantir que possa se contar com uma observação eleitoral adequada; a falta de pontos suficientes para os eleitores se inscreverem ou modificarem o domicílio eleitoral; e a candidata da oposição [María Corina Machado] impedida de participar por causa das inabilitações.
Por qual razão a substituta de Corina Machado, a professora Corina Yoris, também ficou de fora das candidaturas habilitadas?
A Corina Machado decidiu apoiar uma segunda candidata, uma senhora que não tem histórico de militância política, nunca chegou a um cargo público de eleição popular. Apesar disso, o poder eleitoral cooptado pelo governo autoritário de Nicolás Maduro impede que possa se inscrever. O poder eleitoral cooptado pelo regime impede que os dois únicos partidos que ainda estariam habilitados para fazer postulação possam ingressar no sistema. Essas questões permitem dizer que as eleições não reúnem condições para ser uma eleição limpa, transparente. Em qualquer país da América Latina seria uma eleição contestada pelos fatores políticos e denunciada por falta de condições adequadas.
São, de fato, “eleições”, na acepção política e jurídica do termo?
Podemos ter um processo de votação, mas a população vai ser impedida de eleger o candidato que considera que é a melhor opção para gerir o rumo do país. Então, temos que refutar a ideia de eleição, porque realmente não estão permitindo que todos os atores participem e não estão sendo dadas as devidas garantias para que o pleito possa correr de forma competitiva, em igualdade de condições, que seriam verificáveis e transparentes. Por isso, temos grandes reservas com relação ao evento que vai ocorrer no 28 de julho.
Há comparação entre o que acontece agora e o que ocorreu em 2018?
Tem pontos similares e tem algumas diferenças. O contexto do país é muito diferente. Hoje estamos falando de um regime autoritário consolidado. Em 2018, o regime Maduro estava em processo de consolidação, apesar de que o chavismo já controlava a maioria das instituições, mas foi no primeiro governo Maduro onde se deu um processo de desconhecimento explícito da institucionalidade. Antes disso, o chavismo tentava pelo menos transparecer o respeito das instituições. Essa seria uma primeira diferença. A segunda questão, que se repete, é que realmente o chavismo, em 2018, avançou com o mesmo corolário de medidas para violentar os direitos políticos da população, dos atores políticos. Inabilitações, ilegalização de partidos políticos, usurpação da diretiva dos diretores dos partidos políticos, antecipação do calendário eleitoral, da data da eleição, entre outras questões. A diferença agora é que a oposição parece com maior determinação de participar nesse processo, mesmo consciente de que ele não vai ter as devidas garantias.
Por que há essa determinação por parte da oposição ao regime de Maduro?
A oposição parece ter aprendido de que se abster do processo ao tentar boicotar as eleições, como em 2018, não trouxe os resultados esperados, porque claramente não tinha condições de isso acontecer. Hoje, a oposição tem maior disposição de participar na eleição, e isso está forçando o chavismo a tomar medidas adicionais, como o que está acontecendo atualmente, ou seja, mesmo os partidos que, em teoria, estariam habilitados para postular candidatos, não têm conseguido ingressar ao sistema. E por quê? Porque o regime autoritário de Maduro, nos bastidores, está tentando negociar um candidato que seja mais amigável para ele, ou mais adequado para ele. E também tenta “negociar” a submissão, o sumiço da María Colina Machado e de seu capital político do pleito.
Ele está em consciência de que num pleito, mesmo com todas as vantagens que o chavismo já tem por controlar as instituições, se María Corina Machado transferir ou tentar transferir seu capital político para algum candidato que não seja Maduro, Maduro teria grandíssimas chances de perder. Isso porque o contexto político hoje mostra um total esgotamento do chavismo como movimento político e popular. De acordo com as últimas pesquisas, cerca de 80% da população tem um anseio de mudança muito grande e o chavismo está muito consciente disso.
O acordo com os Estados Unidos para fazer eleições e levantar as sanções do setor petroleiro foi quebrado. Que implicações isso tem para a Venezuela?
O acordo de Barbados, que foi assinado na segunda metade de 2023, foi violentado desde o ano passado pelo governo Maduro, e isso claramente tem um impacto na visão, na imagem do governo dos EUA, como um ator que pode influenciar e persuadir o regime Maduro de fazer o correto e permitir uma transição democrática no país. As implicações para a Venezuela precisam ser analisadas desde diversas perspectivas. De ponto de vista político, sem uma transição política no país que venha acompanhada da restituição do Estado de Direito e de Justiça na Venezuela, infelizmente será muito difícil uma recuperação econômica porque os agentes econômicos não são tontos. E, sobretudo, os investidores estrangeiros: eles entendem dos riscos de investir em um país onde não existe segurança jurídica nem uma institucionalidade mínima para eles gerirem suas operações e seus investimentos. E a Venezuela acumulou um histórico de ser, nos últimos anos, um parceiro muito pouco confiável, inclusive com os aliados ideológicos do governo. Do ponto de vista econômico, faltaria ver qual vai ser a reação do governo dos EUA depois de o vencimento da última licença para permitir as operações das empresas respectivas na Venezuela. E aí existem dois cenários: ou que a licença seja prorrogada, ou que ela não seja prorrogada. A não prorrogação traria implicações para a economia venezuelana muito graves, pois qualquer perspectiva de recuperação econômica seria descartada.
O que vai acontecer com María Corina Machado e com os oposicionistas ligados a ela que foram recentemente presos?
O que está acontecendo com María Corina Machado e sua equipe de trabalho é muito grave, se constitui como caso claro de perseguição e repressão, detenções arbitrárias, e que se soma à longa lista desse tipo de violações de direitos civis e políticos na Venezuela. Infelizmente, isso faz parte de um roteiro que já se repetiu no passado, principalmente com os militantes e ativistas do Partido de Voluntá Popular, que era o partido de Juan Guaidó e Leopoldo López. Essas pessoas que já foram capturadas e estão sendo vítimas de repressão e de detenção, irão passar por situações muito difíceis nos tempos que virão. O panorama é bem preocupante para os militantes desses partidos políticos. Tudo isso já está documentado por organizações internacionais que trabalham com direitos humanos tais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, o Conselho de Direitos Humanos e a Missão Internacional Independente de Verificação de Fatos para a República Bolivariana da Venezuela.
Nicolás Maduro tem força política ou conta apenas com o poder do regime?
A força que o chavismo ainda conserva na Venezuela é decorrente do controle arbitrário que exercem sobre as instituições e sobre a Força Armada. Claramente é um governo autoritário que se sustenta pela via da força e da manipulação das instituições dos outros poderes públicos para se manter no poder. Quando se analisa os resultados das pesquisas de opinião, observa-se que o chavismo é um movimento popular em declínio. Maduro é um político altamente impopular que, em um contexto de eleição competitiva, não teria nenhuma chance de vitória. E isso é decorrente da crise provocada pelo próprio chavismo e que foi aprofundada durante os anos do governo Maduro, desde que ele tomou posse, em 2013.
O que vive a Venezuela hoje se assemelha com uma “democracia”, como alguns poucos defendem?
Não. A Venezuela não pode ser considerada um regime democrático e, na verdade, os analistas e especialistas nas ciências políticas afirmam que o regime político na Venezuela já passou de um regime autoritário competitivo para um autoritarismo sem adjetivos. Isto porque a utilização dos processos eleitorais como mecanismo de legitimação de ações arbitrárias e de retrocesso em matéria de direitos e de qualidade das instituições já não são utilizados pelo chavismo para se manter no poder como era usado durante os tempos de Hugo Chávez.
Na era Maduro houve a passagem de um autoritarismo competitivo ou autoritarismo eleitoral para um autoritarismo sem adjetivos onde a fonte de legitimidade já não provém do carisma e dos resultados eleitorais sustentados pela repartição da renda petrolífera e sim do exercício autoritário do poder e a instrumentalização dos poderes públicos para sustentar esse regime político.
Algum organismo internacional ou país pode intervir?
Estamos num momento crucial para que os atores democráticos do mundo atuem com esse objetivo, entendendo a importância de que na Venezuela possa ocorrer uma solução pacífica à crise política que já se arrasta por mais de uma década e que tem impactos e reverberações na região inteira. Não se pode deixar de atrelar a crise política, o colapso econômico do país a questões como migração, crime organizado, entre outras questões que afetam países vizinhos da Venezuela, incluindo o Brasil.
Nós também temos um processo…
Lastimável