Ao se tentar acessar o site do primeiro grande jornal da Turquia, a página não abre. O Zaman foi fechado pelo regime do presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, 69 anos, que em 2024 vai completar 10 anos no cargo.
Leia mais: “Editorial de O Globo: ‘É temerário Janja se alinhar à Turquia sobre Gaza'”
Ele chegou à presidência por meio de seguidas eleições, depois de mais de dez anos como primeiro-ministro. Mas isso não tira do governo turco a condição de um dos mais autoritários da Europa, conforme destaca o especialista em Turquia, Ahmet T. Kuru, professor de ciência política na San Diego State University.
“Nos últimos dez anos, Erdogan levou a Turquia a um estilo de governo mais autocrático e de governo único”, afirma Kuru em artigo. “Isso inclui restrições à liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de reunião.”
O “empastelamento” do maior jornal opositor foi consequência de uma política de opressão a opositores, principalmente depois que o Partido Democrático do Povo (HDP), nas eleições de junho de 2015, ultrapassou a cláusula de barreira de 10% (fez 13,12% dos votos) e poderia formar a composição de governo no Parlamento pela primeira vez na história.
Leia mais: “Presidente da Turquia chama terroristas do Hamas de ‘patriotas'”
Erdogan, contando inclusive com o suporte de braços paramilitares, alterou as regras do sistema político, destituiu o parlamento e transformou o regime em presidencialista. De cunho religioso e conservador.
Foi a primeira onda de prisão de opositores.
Em 2021, o presidente turco abandonou a Convenção de Istambul, feita para combater a violência contra as mulheres. No ano seguinte, a polícia reprimiu protesto de mulheres, contra a saída do país desta convenção, na maior cidade turca.
Mas um dos maiores temores do presidente, que apoiou os ataques do Hamas em 7 de outubro, é a luta pela autodeterminação dos curdos da Turquia. Com 14 milhões de pessoas, eles representam 20% da população do país.
Na política externa, Erdogan faz um papel de mediador. Mesmo como membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliada do Ocidente, a Turquia se aproximou da Rússia, também por questões de importação de gás e de grãos.
Na política interna, ele se mostra feroz contra opositores. Inclusive contra Fatullah Gunen, exilado nos Estados Unidos e que foi acusado por Erdogan de tramar um golpe em 1916.
Gullen mantém um movimento dito pacifista de diálogo e busca de soluções pela Educação, considerado terrorista por Erdogan.
Internamente, a “mão de ferro” do presidente turco seguiu a cartilha da violência contra civis curdos, segundo entidades internacionais.
Violação de direitos
O regime de Erdogan, de acordo com a Anistia Internacional (AI), viola direitos humanos e insiste em cometer crimes de guerra, na perseguição a este povo apátrida.
Leia mais: “A diferença entre Israel e o Hamas”
Durante a guerra da Síria, em 2019, a entidade acusou o Exército turco e grupos rebeldes sírios pró-turcos de cometerem crimes de guerra na ofensiva contra os curdos no norte da Síria.
“As forças militares turcas e seus aliados demonstraram um completo e cruel desrespeito pela vida de civis, lançando ataques fatais ilegais em áreas residenciais que mataram e feriram civis”, afirmou o então secretário-geral da AI, Kumi Naidoo.
A ONG garantiu que obteve “provas conclusivas de ataques indiscriminados a áreas residenciais”. Citou ainda assassinatos sumários de civis, entre eles uma política curda importante, e militantes capturados.
+ Leia mais notícias do Mundo em Oeste
Os curdos habitam a região desde pelo menos 3 mil anos a.c, com nomes de povos originários, como os hurritas.
Desde então, não obtiveram um governo próprio e, depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), interesses políticos os impediram de formar uma nação, conforme previa o Tratado de Sévres.
Mas, poucos anos depois, na divisão territorial da Turquia, com o fim do Império Otomano, o Tratado de Lausanne criou novas fronteiras para o país, sem incluir um território para os curdos.
Erdogan considera grupos terroristas
Grupos como o Unidades de Proteção Popular (em curdo, YPG) e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que lutam pela independência curda na Turquia há três décadas e têm bases no Iraque, são considerados terroristas por Erdogan.
Eles ajudaram os Estados Unidos a derrotar o Estado Islâmico durante a guerra da Síria.
Para a cientista social Marina Colerato, em texto no jornal Le Monde Diplomatique Brasil, o regime de Erdogan é opressor e violento.
“Os curdos nunca aceitaram a perseguição turca de forma pacífica”, diz ela. E prossegue.
“Vários levantes curdos aconteceram ao longo dos anos e das políticas de limpeza étnica, deixando dezenas de milhares de pessoas mortas, feridas ou deslocadas.”
Desde 1984, foram mortos pelos governos turcos, incluindo o de Erdogan, apesar do cessar-fogo em seu período, pelo menos 40 mil curdos. e centenas de milhares foram desalojadas. Os números foram informados pela BBC.
À perseguição aos curdos, segundo Colerato, Erdogan acrescentou os interesses expansionistas.
Leia mais: “Israel retira diplomatas da Turquia depois de declarações pró-Hamas de presidente turco”
“O regime do Partido da Justiça e Desenvolvimento (em turco, AKP, partido de Erdogan) também tem interesses neo-otomanos de retomada de territórios perdidos com a queda do Império, no início do século 20”, diz a especialista.
“Com a aproximação do fim do Tratado de Lausanne, responsável por definir as fronteiras modernas da Turquia, as tensões locais são amplificadas”, observa.
Para ilustrar, ela destaca a ocupação de Afrin (região no chamado Curdistão, que não existe formalmente) “assentada sobre poços de petróleo e da faixa entre Serêkaniyê e Girê Spî no norte da Síria”.
Além disso, o interesse em controlar poços de petróleo mobiliza o atual governo da Turquia para manter estações militares no sul do Curdistão.
O regime, ainda, conforme afirma a cientista social, tem interesse e quer ampliar sua influência no Iraque, para retomar outros territórios ricos em petróleo e que considera seus por direito, como Kirkuk e Mosul.
Colerato acrescenta que a tentativa de Erdogan de desviar a atenção da população da crise econômica que assola a Turquia impulsiona ainda mais essa perseguição a opositores.
A inflação do país chegou a 58,94% em agosto último, com forte desvalorização da lira turca. Isso porque, ao exigir o controle sobre o Banco Central, Erdogan impõe uma baixa de juros. Colerato completa.
“Outras questões políticas aparecem como motivadoras”, ressalta a cientista social. Ela completa e cita como exemplo “a crise econômica na Turquia e o papel da guerra em fortalecer um sentimento de união nacionalista turca (assentado no histórico racismo anti-curdo), distraindo a população do fracasso econômico atual.”
Quem deixou a turquia entrar na OTAN ?
Com Erdogan no comando da Turquia, tudo pode acontecer…Ele já passou da coerência necessária para governar.
A Turquia vive em 2023 o que o Irã viveu em 1978. Se o povo não se levantar, em breve as mulheres turcas estarão vestindo burca e aquelas que resistirem serão açoitadas em plena via pública.
Aguarde… estamos alcançando a Turquia.