(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 10 de outubro de 2021)
O ex-presidente Lula começa a armar a sua campanha para as eleições de 2022 e, naturalmente, tem diante de si o que deveria ser a pergunta-chave de todo candidato na hora da largada: o que eu vou dizer para o eleitorado, de hoje até outubro do ano que vem? Não pode ser qualquer bobagem. Vai ser preciso, na prática e no fim das contas, dizer coisas que convençam o público de que ele, Lula, é melhor que o adversário, Jair Bolsonaro — sem isso, nada feito.
Como diria um comunicador moderno, Lula terá de selecionar suas “pautas” — palavra que se usa, hoje em dia, quando alguém quer dizer “assunto”. Deixe-se de lado o que já se sabe que qualquer pretendente ao cargo vai fazer, do primeiro ao último dia da campanha: falar que Bolsonaro é o pior de todos os presidentes que o país já teve; ou o Brasil acaba com Bolsonaro, como deveria fazer com a saúva, ou Bolsonaro acaba com o Brasil. Tudo bem — e, além disso?
Além disso, pelo que se pode ver hoje, é um problema. O difícil, para Lula, não é tanto achar o que dizer em seu favor durante a batalha pelo voto. A dificuldade, mesmo, é saber que ele não vai poder usar em nenhum momento da disputa a “pauta” da corrupção. Não é pouca coisa. Campanha eleitoral, neste país, é basicamente chamar o outro candidato de ladrão e apresentar-se como o inimigo número 1 da ladroagem. Sem poder fazer esse número, o sujeito já sai por baixo.
Lula, naturalmente, não pode fazer isso — com a sua folha corrida, que inclui um ano e sete meses de cadeia fechada por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a última palavra que ele quer usar numa campanha é “corrupção”. É possível que tentem, claro, mas nem o diretor mais otimista de um instituto de pesquisa de votos acharia que um negócio desses vai dar certo. Eis aí o candidato do “campo progressista”, portanto, desprovido de uma “pauta” fundamental — como foi para Jânio, Collor, Bolsonaro e também ele, Lula, em todas as suas campanhas, salvo a da sua própria reeleição.
Quem terá de tomar cuidado com essa história de corrupção, ao contrário, é ele mesmo, Lula. É complicado, na verdade, você ser candidato à Presidência da República se é, ao mesmo tempo, o único presidente do Brasil condenado oficialmente como ladrão, por nove juízes diferentes, em terceira e última instância. Fazer o quê? É assim que ficou. A era Lula, seja lá o que ele próprio acha, tem a imagem do governo mais corrupto da história nacional — um tempo em que as empreiteiras de obras públicas governaram o país, ao lado dos fornecedores da Petrobras, dos operadores dos fundos de pensão das empresas estatais e das gangues expostas pela Operação Lava Jato.
Parece pouco promissor, a esse propósito, o truque de dizer que Lula foi “absolvido” e que a “Justiça” reconheceu a sua “inocência”. Ele não foi absolvido de coisa nenhuma — apenas ganhou de presente do STF a anulação dos seus quatro processos penais e a licença para se candidatar à eleição de 2022, com ficha suja e tudo. Dizer que você está solto por causa do STF, naturalmente, não é nada que possa melhorar a sua reputação pessoal hoje em dia; é exatamente o contrário, e por isso imagina-se que Lula não vai ficar falando no assunto. Quem quer ter a sua reputação atestada por um tribunal que solta traficantes de droga de primeiro grau? Quem quer aparecer num palanque eleitoral abraçado com o ministro Gilmar Mendes, por exemplo? Não dá.
Desde o início, e cada vez mais, parece que todas as chances de Lula se resumem em jogar parado; é falar pouco, fazer menos, e esperar que Bolsonaro funcione como o seu grande cabo eleitoral. É arriscado, claro. Mas, no momento, é o que temos.
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