(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de julho de 2024)
O Brasil está sendo preparado, pelo presidente da República e pelo serviço diplomático, para desempenhar um dos papéis mais infames de toda a história das suas relações externas. Em um ano e meio de governo Lula e de “política exterior altiva”, o Brasil já se tornou um militante da “causa Palestina”, um aliado do regime terrorista do Irã e um colaborador da Rússia na invasão da Ucrânia, a quem acusa de ser responsável pela invasão militar do seu próprio território. Está pronto, agora, para juntar-se às nações-bandidas dispostas a jurar que as próximas eleições para presidente na Venezuela serão uma prova perfeita de democracia — e que é uma injustiça chamar o ditador Nicolás Maduro de ditador, pois o eleitor venezuelano, mais uma vez, tomou a “livre decisão” de mantê-lo no cargo. As eleições na Venezuela, há anos, são uma fraude serial e maciça, que nenhum país sério considera legítimas. O governo monta uma cenografia de urnas, seções eleitorais, apuração de votos e outros adereços de evento eleitoral. Mas é tudo falso. E é claro que Maduro ganha sempre.
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A farsa, desta vez, terá o apoio oficial do governo brasileiro — mais desses projetos da diplomacia lulista em que o Brasil dá a cara para bater e, em troca, nunca leva nada de útil. Tanto faz, na verdade, se o Brasil dá ou não dá apoio a isso ou a aquilo no cenário mundial. Deveria aproveitar a sua irrelevância, então, para ficar de fora do barraco top de linha que tem sido a Venezuela dos últimos anos — não precisaria condenar, mas também não precisa ficar na primeira fila das “maduretes” da ditadura, e junto com os regimes de pior reputação no mundo, gritando “lindo, lindo” para o ditador. Isso só degrada o Brasil na comunidade das democracias, atola cada vez mais a diplomacia brasileira no apoio às tiranias e torna o país um cúmplice ativo dos crimes políticos de Nicolás Maduro. O último deles é o esforço concentrado para roubar a próxima eleição.
Lula tem feito o possível para deixar claro que está enfiando o pé nessa jaca. Já disse, em outras ocasiões, que o problema da Venezuela é “excesso de democracia” — e que de qualquer forma democracia é uma coisa “relativa”. Agora, está dizendo que deseja “normalidade” nas eleições e que “o resultado seja aceito por todos”. Poderia, à primeira vista, parecer apenas mais uma declaração vadia da sua parte. Mas, no caso de Lula, é um manifesto a favor da fraude anunciada. Não é materialmente possível, para começo de conversa, que haja “normalidade” em qualquer eleição montada por uma ditadura – eleição em ditadura é anormal por definição, pela excelente razão de que é uma mentira em estado bruto. Também há eleição na Rússia, em Cuba, Coreia do Norte, e a única normalidade lá é que o governo ganha sempre, sem nenhuma exceção. Mas o que realmente interessa a Lula é essa história do “resultado aceito por todos”. Na verdade, o que ele quer que todos aceitem é a fraude. Até o chanceler de fato Celso Amorim sabe que o resultado da eleição já está resolvido. O negócio, agora, é fingir que os venezuelanos concordam com ele.
O apoio do governo Lula à Venezuela
Só mesmo Lula, o Itamaraty e as piores quebradas do “Sul Global” são capazes de chamar de “eleição” o que está acontecendo na Venezuela. A principal candidata da oposição foi simplesmente proibida de concorrer — a polícia eleitoral de lá, que também se apresenta como “tribunal”, decidiu que ela é inelegível. Há milhares de oposicionistas na prisão. Foi fechada uma lojinha que vendeu empanadas para o candidato autorizado por Maduro a disputar com ele. Um empresário que deu hospedagem para a candidata banida foi preso; meteram na cadeia, também, o seu chefe de segurança pessoal. Há 7 milhões de venezuelanos morando em outros países, expulsos de sua casa pela fome, miséria extrema e repressão política. Têm o direito de votar na eleição presidencial, mas dos 3,5 milhões de eleitores, ou até mais, que vivem hoje no estrangeiro, a “justiça eleitoral” da Venezuela só forneceu a 70 mil deles os documentos necessários para votar. Há censura. O sistema judicial faz parte da máquina do governo. O país é comandado por um Exército, polícia e milícias que agem abertamente como guarda particular de Maduro e são sócios da sua ditadura.
A Venezuela proibiu que uma comissão independente das democracias europeias acompanhasse as eleições. Que evidência maior do que essa, em matéria de más intenções explicitas? Mas o Brasil se sujeitou ao papel sujo de ser “avalista internacional” da fraude — será representado pelo MST, nada menos que o MST, na tarefa de fiscalizar a eleição e garantir que tudo foi feito dentro da mais estrita honestidade. A esperança, à essa altura e nessas condições, é que haja no fim das contas algum tipo de votação. A alternativa é uma decisão da “justiça eleitoral” decretando que as eleições são ilegais e terão de ser canceladas. O Brasil com certeza vai apoiar — e se declarar solidário com Nicolás Maduro. O que já é horrível vai ficar mais horrível.