A revolta sem causa
A Oeste depende dos assinantes. Assine!

(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 28 de abril de 2022)
Um dos melhores passatempos que estão disponíveis no momento na praça política é o estado de agitação nervosa e de revolta improdutiva contra o decreto presidencial que deu ao deputado Daniel Silveira o perdão para as penas que lhe foram impostas pelo STF. Pensaram em tudo, menos nisso — e agora, sem saber o que fazer, gastam energia numa daquelas revoltas sem causa que sempre levam a lugar nenhum. Não há o que fazer, na prática. O decreto é à prova de bala do ponto de vista constitucional; não há o que se possa mexer nele, a menos que se faça uma virada geral de mesa. Como disse o ministro Alexandre de Moraes em 2018, quando o presidente Michel Temer deu exatamente a mesma “graça” para um lote de condenados por corrupção na Lava Jato: perdão presidencial, “goste-se ou não”, tem de ser cumprido.
A oposição, a maior parte da mídia e o que se poderia chamar de “partido do Supremo” estão revoltados: foram ao próprio STF, aliás, pedir que seja anulada a anulação das penas do deputado. É uma alucinação. Está escrito na Constituição que o presidente da República tem o direito de dar esse perdão para quem quiser, na hora que quiser, de forma individual ou coletiva. Não precisa apresentar nenhuma justificativa para a sua decisão. Não precisa pedir licença a ninguém. Mais que tudo, não precisa submeter o decreto à apreciação de nenhuma “instância superior”. Não existe “desde que”, nem “salvo se” — é isso aí. Aparecem então, no desespero, argumentos de nível ginasiano. A circunstância de Temer era “diferente”, alegam, embora não se explique qual poderia ser a diferença. O presidente agiu de “má intenção”, dizem, e “más intenções” invalidam o que está na Constituição. Quis “beneficiar” um aliado — e por acaso Temer, ao dar o seu indulto tido como impecável, quis prejudicar os perdoados? É daí para baixo.
O momento mais divertido, porém, ficou por conta do herói de quase todos os inconformados com o perdão ao deputado — o ex-presidente Lula. Como se viu, ele ficou quietíssimo quando o decreto saiu. Depois veio com a história de que “não quis dar cartaz ao Bolsonaro”, mas aí não deu para segurar: teve, sim, de falar no assunto maldito. O fato é que Lula, antes de deixar a Presidência, deu um perdão igual para um criminoso muito pior — o terrorista italiano Cesare Battisti, que assassinou quatro pessoas na Itália e depois se refugiou no Brasil. E agora: está errado perdoar Daniel Silveira, que gravou um vídeo com xingatório contra o STF, e está certo perdoar Battisti, que matou quatro?
Lula piorou as coisas, como sempre, jogando nos outros a culpa pelo que fez — no caso, disse que o culpado pela concessão do indulto foi o seu ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, que lhe garantiu que Battisti era “inocente”. Àquela altura a Justiça da Itália, em todas as suas instâncias, tinha decidido que ele era culpado por quatro crimes de homicídio — e isso, não pesou nada na avaliação de Lula? Quer dizer que “Tarso Genro falou, tá falado”? O ex-presidente e candidato nas próximas eleições presidenciais acusou também o próprio Battisti; o “companheiro”, nas suas palavras, mentiu para ele ao dizer-se inocente. Lula acreditou na história do terrorista, coitado, e acabou cometendo o engano de dar o indulto. Esse é Lula. Esse é o seu passado. Ele vota o tempo todo para interferir no presente e deixar mudos os seus devotos — tão indignados com o perdão a Daniel Silveira, e tão esquecidos do perdão a Cesare Battisti.
Leia também: “O STF levou um xeque-mate”, artigo de J.R. Guzzo publicado em Oeste