(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de janeiro de 2024)
O ministro Alexandre de Moraes, sim ou não, viola a lei brasileira em decisões que toma na sua função? A resposta é: sim. Está em cartaz toda uma agressiva superprodução para construir um personagem que não existe — o do juiz que enfrenta sozinho os inimigos da democracia e praticamente salvou o Brasil de virar uma ditadura.
Lado a lado com esta, caminha uma encenação alternativa. O ministro Alexandre de Moraes, por esse modo de ver as coisas, exerce ou exerceu um papel fundamental para derrotar o “golpe”, mas deveria tomar decisões menos “polêmicas”, ou “controversas”, ou “exageradas”, para não deixar dúvidas sobre a grandeza da sua missão. Tanto faz uma coisa ou outra. O que ocorre, no mundo dos fatos, é que o ministro e o STF do qual ele faz parte tomam decisões que não são nem democráticas e nem “polêmicas” — são ilegais.
É uma questão de realidades. Não há dúvida nenhuma que a Constituição Federal proíbe a autoridade pública de praticar censura, de qualquer tipo e em qualquer circunstância. Não há dúvida nenhuma que Alexandre de Moraes e o STF praticaram e continuam a praticar censura. São centenas de atos concretos — talvez milhares, a depender do critério. Não tem jeito, aí.
Se o cidadão é proibido de se manifestar nas redes sociais, sob a alegação de estar divulgando fake news, “desinformação”, ou “discurso do ódio”, ou sob qualquer alegação, é censura. Pior: é censura prévia, pois ao proibir uma pessoa de escrever ou de falar na internet, Alexandre de Moraes está censurando coisas que ela ainda não escreveu e não falou. Na verdade, nem é preciso dizer tudo isso. O debate sobre a existência da censura no Brasil está decidido desde que a própria ministra Carmen Lucia, em plena sessão do STF, disse em 2022 que a censura existe, sim. Não foi a direita quem disse; foi a ministra. Explicou, aliás, que a censura era uma “emergência” e que só iria durar até o dia seguinte às eleições. Está aí até hoje, à toda.
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Se a lei proíbe a censura, mas o ministro pratica a censura através de suas ordens judiciais, qual é a única conclusão a que se pode chegar? É que as decisões do ministro são ilegais. Existe alguma outra possibilidade? No Brasil não há o que fazer a respeito. Alexandre de Moraes e o STF têm a Polícia Federal para ir em cima dos brasileiros, e as Forças Armadas para garantir que tudo isso aí está dentro da legalidade democrática.
Fora do Brasil a coisa já fica menos simples, sobretudo para empresas que mantêm operações aqui dentro. Nos Estados Unidos, por exemplo, a lei proíbe como ofensa criminal, a ser punida pela Justiça, que qualquer empresa ou cidadão norte-americano viole as leis do país estrangeiro no qual exercem alguma atividade. Está se dando, então, o seguinte: a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados intimou a X Corp., que opera o antigo Twitter, a lhe entregar informações sobre seus contatos com autoridades brasileiras a respeito de restrições em conteúdos na plataforma, censura e questões afins.
Alexandre de Moraes não prosperaria nos EUA
O empresário Elon Musk, controlador do X, está entregando ao Congresso norte-americano as informações que foram pedidas — não existe, por sinal, a opção de não entregar. Aí fica o nó formado. Alexandre de Moraes mandou a plataforma censurar seus usuários no Brasil, incluindo deputados federais, empresários, jornalistas e dezenas de outros. Essas ordens violam a Constituição e as leis brasileiras. O X, então, executou determinações ilegais — e nos Estados Unidos é ilegal executar determinações ilegais em países estrangeiros, embora aqui, no próprio Brasil, essa ilegalidade seja oficialmente tida como legal.
Não é que seja apenas tolerada. É praticada pela Suprema Corte de Justiça do país e quem observar isso está sujeito a ser banido das redes sociais, e sabe lá Deus o que mais. Não adianta nada, à essa altura, se Elon Musk é isso ou aquilo — se é o líder secreto da direita mundial, se a sua empresa de satélites permite que garimpeiros da Amazônia falem no celular, ou se vai dar um golpe de Estado, ele também, no Brasil. O que importa é que o regime brasileiro está sendo exposto à comunidade internacional, cada vez mais, como aquilo que realmente é — mais um pedaço de Terceiro Mundo onde a lei não vale o papel em que está impressa e o único argumento é a força bruta.