A revogação de um Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 1, de 29 de julho de 2022 por parte da Receita Federal, que aconteceu na quarta-feira 17, se trata de uma isenção fiscal da contribuição à seguridade social por parte das igrejas, e não de uma isenção sobre os salários dos líderes religiosos. A declaração é do advogado Thiago Rafael Vieira, especialista em Estado constitucional e liberdade religiosa.
“Nunca existiu beneficio fiscal e isenção de imposto de renda de pastor”, disse o especialista em um vídeo publicado em suas redes sociais, nesta semana. “O que existe, desde 2000, é uma isenção fiscal da contribuição à seguridade social por parte das igrejas.”
Vieira, que também é presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, explicou que todas as pessoas que recebem uma remuneração tem de pagar ao INSS de 8 a 11% do valor total do próprio salário. Já as empresas tem de pagar 20% ao INSS.
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“Esses 20%, que a fonte pagadora tem que pagar, se chama cota patronal”, declarou. “Se você é funcionário, você detém 11% do seu contracheque e o seu empregador 20%. Se você é patrão, o seu pró-labore retém 11% da seguridade social e a sua empresa tem de pagar 20% do seu pró-labore. Isso é contribuição a seguridade social, a cota patronal.”
Tudo começou com o FHC
Conforme relatou Vieira, em 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que as organizações religiosas, quando pagam o líder religioso, não precisam pagar a contribuição à seguridade social.
Por exemplo, se uma igreja paga R$ 5 mil de prebenda (remuneração para um pastor), os 20% da seguridade social a igreja não precisa pagar. No entanto, o líder religioso continua pagando o INSS. A ação de Fernando Henrique adicionou o parágrafo 13° no artigo 22 da Lei 8212, que é a Lei da Seguridade Social.
“Isso não é imunidade/isenção tributária, pois a imunidade da Constituição é só para impostos. Já a contribuição à seguridade social não é um imposto, mas uma contribuição”, continuou o especialista.
Apesar disso, segundo Vieira, os auditores da Receita continuavam, em algumas situações, glosando as igrejas. Então, em 2015, uma nova lei adicionou mais um parágrafo à Lei de Seguridade Social, o parágrafo 14°.
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“O parágrafo 14° diz que: para fins de interpretação, o que está dito no parágrafo 13° se aplica em tais condições”, explicou o especialista. “Foram adicionados incisos e a questão foi resolvida. Definiram quais as hipóteses que a igreja não paga cota patronal.”
A portaria criada na gestão Bolsonaro e suspensão no governo Lula
No entanto, de acordo com Vieira, em algumas situações os auditores ainda ficavam confusos com a interpretação da lei. Então, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, foi publicado um ato declaratório.
“Isso foi no âmbito da Receita”, explicou o especialista. “Ou seja, não é lei. É apenas um ato declaratório interpretativo dizendo quais as situações da isenção fiscal. Esse ato interpretativo, praticamente, repetiu o que diz o parágrafo adicionado à lei em 2015. Não inovou nada, era só uma questão interna.”
Vieira destacou que o ato do governo Lula no âmbito da Receita apenas anulou a portaria criada na gestão Bolsonaro, mas não anulou a isenção. “Apenas lei cria isenção, então essa portaria não criou nada”, ressaltou. A portaria foi anulada, mas a isenção continua existindo, pois está na lei.”
A anulação da portaria implica em ‘praticamente nada’
Ainda conforme o especialista, a anulação feita nesta semana não gera mudanças tão relevantes para as igrejas.
“A anulação da portaria implica em praticamente nada”, explicou. “No máximo, os auditores podem dizer: ‘Já que não tem essa portaria, vou glosar a igreja’. Se ele fizer isso, ele está glosando de forma ilegal, pois já tem uma lei dizendo.”
A preocupação de Vieira enquanto jurista de Direito Religioso, no entanto, é que a Receita publique uma nova portaria dando uma nova interpretação para a lei, dizendo que a isenção não existe mais.
“Isso seria um absurdo jurídico”, continuou. “Mas, como a coisa está, não mudou praticamente nada. Essa portaria caiu, mas o que realmente importa é a lei. A igreja continua sem ter que pagar a cota patronal.”
Como mostrou Oeste, a ação do governo Lula gerou preocupação na Bancada Evangélica do Congresso Nacional. Nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a criação de um grupo de trabalho junto aos membros da bancada para estabelecer uma interpretação definitiva da lei.
Como o regime petralha possui um viez ideológico anti-religião tendo a igreja como um inimigo, não há dúvidas que a ambiguidade será resolvida a favor do regime.
É sem qualquer sobra de dúvida, a verdade que a religião é muitas vezes socialmente conservadora. Ao unir um povo sob um Deus partilhado, uma cosmologia comum e uma moralidade comum, a religião cria ordem e estabilidade e os seus rituais criam coesão social. Ao prometer aos pobres piedosos recompensas na próxima vida, reconcilia-os com o seu destino nesta vida e assim desencoraja-os de se rebelarem contra a sua condição de servos de um regime, mas também existe esta ambiguidade da religião ser uma inspiração para o radicalismo e a rebelião. A religião é uma ameaça potencial a qualquer ordem política que visa controlar o indivíduo pela força bruta e leis imorais de tiranos autoritários. A religião reivindica uma autoridade superior a qualquer outra disponível neste mundo.