Um eventual impeachment de Bolsonaro depende, basicamente, do clamor das ruas. Sem ele, qualquer mobilização contrária é puro oportunismo político
Impeachment de Bolsonaro. A tese pode parecer um tanto quanto esdrúxula se vista pelo viés meramente técnico. Afinal de contas, em democracias maduras, alguns abraços de um presidente em seus militantes durante um dia de manifestação nem de longe deveriam servir de subterfúgio para desencadear um processo de impedimento.
Infelizmente, não estamos em uma democracia madura. Quase 32 anos após a promulgação da Constituição de 1988, ainda somos obrigados a assistir, impávidos, a pedaladas regimentais ou a interpretações esdrúxulas dos textos constitucionais, conforme o bel-prazer dos mandatários de plantão.
Por isso, falar em um eventual impeachment de Bolsonaro soa hoje como puro oportunismo. Contudo, entretanto, todavia… estamos falando da fotografia de março de 2020. Não dos meses seguintes.
É absolutamente lícito o presidente sair às ruas e buscar o apoio popular para tentar fazer valer a sua visão de desenvolvimento nacional. Plausível e lícito. Vários ex-presidentes fizeram isso em determinado momento de sua carreira política. Collor, o fez; Lula, o fez; Dilma, idem.
O problema é fazer isso para emparedar o Congresso, justamente quando o Poder Executivo mais precisa dele. Em momentos de crise como a do coronavírus, voltar-se contra Câmara e Senado, por melhores que sejam as intenções, não parece ser a estratégia de enfrentamento mais inteligente. Ainda mais quando os índices de popularidade do presidente têm comportamento inversamente proporcional à elevação do dólar.
Impeachment de Bolsonaro? As ruas salvam
Bolsonaro aposta no poder das ruas para tentar escapar das garras do Congresso. A questão é que o Congresso também está de olho nas ruas. A sorte do presidente é que hoje, março, não existem movimentos contrários ao seu governo. O panelaço de quarta-feira, 18, foi simbólico e incisivo. Mas ainda é um movimento pontual. Somente uma ampla mobilização popular seria suficiente para fazer com que deputados e senadores curassem os traumas do último impeachment e topassem um novo recall presidencial.
Porém, aos poucos, o presidente tem perdido aliados de outrora. O clamor da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que chegou a ser apontada como vice na chapa presidencial, é simbólico. Em Brasília, apenas os deputados da chamada ala mais radical do PSL mantêm fidelidade canina ao presidente. E essa ala mais radical não detém poder de articulação junto a outros congressistas. Politicamente, Bolsonaro está cada dia mais isolado. E mais dependente… das ruas.
“Crime contra a saúde pública”
Janaina Paschoal (@janainadobras), uma das autoras do pedido de impeachment de @dilmabr, pedindo o afastamento URGENTE de Bolsonaro. Segundo ela, o presidente cometeu um crime, mas não há tempo pra impeachment. pic.twitter.com/7lP0nNJSn8
— joão abel (@joaoabel_) March 16, 2020
Nesse cenário, o presidente tem outro ponto a favor. Seu antagonista, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não é um Eduardo Cunha. Não é um homem que vai deliberadamente esfacelar o governo em nome de um projeto pessoal. Maia vislumbra a Presidência da República e sabe que, para isso, precisa ser um dos melhores (se não o melhor) presidentes da Câmara dos últimos anos. E, para ter esse carimbo, Maia precisa entregar as reformas de que o Brasil tanto precisa, como a tributária e a administrativa.
Mesmo sem um inimigo oculto, Bolsonaro ainda depende das ruas já que a classe política quer vê-lo longe do Palácio do Planalto. Justamente por isso, o presidente precisa ficar atento às ruas. Bolsonaro foi eleito com 57 milhões de votos; mas parte deles é de antipetistas traídos pelo PT. Se os antipetistas traídos foram às ruas clamando por Bolsonaro, não seria difícil imaginar que os bolsonaristas traídos possam fazer algo semelhante. E a classe política está atenta a esse movimento. Eis aí o real perigo que envolve o presidente Jair Bolsonaro.