(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de fevereiro de 2024)
O Brasil, dentro da extraordinária segurança jurídica que o STF garante hoje aos acusados por crimes de corrupção, e mesmo aos já condenados, está oferecendo ao mundo uma invenção jamais tentada até hoje na ciência do Direito: o pagamento aos corruptores por serviços prestados à sociedade. O ministro Dias Toffoli está se tornando uma autoridade mundial no assunto. Acaba de suspender o pagamento da multa de R$ 3,8 bilhões que a construtora Odebrecht tem com o Tesouro Nacional, como foi estipulado no acordo que assinou com o Ministério Público ao admitir a prática de corrupção em 49 contratos com o governo na primeira era Lula-Dilma. Em troca disso, os diretores da empresa foram poupados de ir para a prisão. Toffoli decidiu, agora, que eles não precisam fazer nenhuma das duas coisas: nem vão para a cadeia e nem pagam os R$ 3,8 bilhões.
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Como o dinheiro não era mais da Odebrecht, e sim do Erário, a decisão do ministro vale como um pagamento à empresa: os acusados confessaram a corrupção, não foram presos porque assinaram o acordo, e agora fica tudo zerado. O argumento de Toffoli, em conformidade com a jurisprudência que ele próprio criou, é um desafio à lógica comum. Há “dúvida razoável”, segundo ele, sobre a “voluntariedade” da Odebrecht em assinar o acordo que assinou – ou seja, não está claro se ela queria mesmo trocar a prisão pelos R$ 3,8 bilhões. A única conclusão possível, então, é que os diretores preferiam ir para a cadeia, mas foram forçados a aceitar a multa. Sempre foi do entendimento universal que ninguém, jamais, paga por livre e espontânea vontade um centavo de qualquer tipo de multa. Mas também não se sabe de ninguém que, tendo dinheiro no bolso, tenha preferido ser preso para não pagar.
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Toffoli repetiu com a Odebrecht exatamente o que tinha feito com uma outra corruptora confessa — a J&F, dona do maior frigorífico do Brasil, cujos diretores também assinaram um acordo de leniência para não serem presos pelo crime de corrupção ativa. A diferença é que o perdão para a J&F saiu bem mais caro para a população — o pagamento, aí, era superior a R$ 10 bilhões. Antes disso, o ministro havia declarado nulas as provas materiais de corrupção contra a mesma Odebrecht, como confissão dos crimes e devolução de dinheiro roubado. Destruíram-se as provas, mas preservou-se o dinheiro — que agora é devolvido à empresa. Na verdade, a coisa toda vai ficando na moda. Já há uma empresa suíça, que assinou acordo semelhante num caso de suborno na Casa da Moeda, e quer a devolução dos R$ 270 milhões de multa que pagou — do total de R$ 750 milhões que tem de pagar. O Brasil voltou, como se vê.
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