(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 8 de fevereiro de 2024)
Há um ano inteiro, dia e noite, todas os recursos da imensa máquina do Estado brasileiro se concentram em demonstrar que houve uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Prenderam 1,5 mil pessoas, um recorde na história da segurança pública no Brasil. Os réus estão sendo condenados a até 17 anos de cadeia, pelos crimes simultâneos de “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado de direito”. Seus direitos civis, a começar pelo direito de defesa, foram abolidos. Há condenados que não estavam fisicamente no local do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes. Há um cidadão que foi condenado por ter o mesmo nome de um dos participantes. Há outro que morreu na prisão por falta de atendimento médico adequado, negado pelo ministro Alexandre de Moraes. Uma senhora foi condenada porque a Polícia Federal descobriu, através de exames de DNA, que sua digital estava numa garrafa de plástico descoberta no local. A mesma polícia revelou que as armas do golpe eram estilingues e bolinhas de gude. O que ninguém conseguiu, no governo ou na vara penal do ministro Moares, foi descobrir um único átomo de prova de que houve uma tentativa de golpe — um ano de trabalho, barulho e despesa e, até agora, nada.
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O regime, seja lá como for, não desiste do que parece, cada vez mais, ser o seu grande projeto estratégico: transformar o mencionado golpe em verdade oficial e condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro como o mandante do crime. Seria o primeiro caso na história, provavelmente, de um presidente que não dá o golpe enquanto está no poder — e tem, entre outras facilidades, o comando supremo das Forças Armadas. Ele espera sair do governo e, oito dias depois, quando está nos Estados Unidos, lança a sua operação — sem tanque de guerra, avião de caça ou fuzileiro naval. É essa, de qualquer forma, a história contada na área Lula-polícia-STF. Por conta do seu último surto de atividade, Bolsonaro, que já responde a um inquérito pela suspeita de incomodar baleias, está intimado a entregar o seu passaporte. Lula, inclusive, disse em público que tem certeza de que Bolsonaro “participou da tentativa de golpe”.
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Após um ano de governo, essa parece ser a única ideia que Lula conseguiu colocar de pé: Bolsonaro, que já foi declarado inelegível pelos próximos oito anos, e não tem a mais remota influência em absolutamente nenhuma decisão do poder público, é o grande problema do Brasil. Dia após dia ele é empurrado ao topo do noticiário por Lula, o PT e o sistema à sua volta; é um ex-presidente que não manda em nada, mas parece ser, cada vez mais, a figura política mais importante do país. Esse último corre-corre ajuda, sem dúvida a jogar para o segundo plano a exposição internacional do ministro Dias Toffoli em particular e do STF em geral como protetores de empresas que corrompem a máquina estatal — um momento ruim para o governo. Mas é um incentivo de primeira classe para a perpetuação do bolsonarismo.
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