(Artigo de J. R. Guzzo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 31 de agosto de 2022)
O ex-presidente Lula não quer que seja assim, e tem nisso o apoio de muita gente, mas vai ser assim: daqui até a eleição de outubro, ele será obrigado a ficar rolando na calçada numa briga corpo-a-corpo com a corrupção. É, entre todos, o assunto do qual Lula quer falar menos. Seu sonho dourado é uma campanha eleitoral inteira, toda ela, igual à “sabatina” que recebeu de presente dos apresentadores da Rede Globo. Não teve, ali, de responder à nenhuma pergunta de verdade; em vez disso, recebeu uma homenagem. “O senhor não deve nada à justiça”, declarou o entrevistador, antes de mais nada e acima de tudo. Foi tão bom para Lula, mas tão bom, que a frase de absolvição da Globo passou a fazer parte da propaganda oficial do PT na televisão; é difícil que se consiga chegar de novo a tal ponto. Mas esse paraíso não existe na vida real. Já no debate entre os candidatos, logo a seguir, não havia mais apresentadores como os que houve na “sabatina”, e a vida ficou dura. Apareceram na ocasião, é claro, os militantes mais agitados do “antibolsonarismo” — só que isso não melhorou a vida de Lula. Na maior parte do tempo, teve de ouvir dos outros candidatos que o seu governo foi o mais corrupto da história do Brasil — e não conseguiu dar nenhuma resposta coerente para nada disso.
O problema central de Lula, nesta campanha eleitoral, é que não são os adversários que estão dizendo que ele é ladrão — quem diz isso é a justiça brasileira, que o condenou pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. É uma questão de prontuário; não há o que se possa fazer a respeito. Houve, é claro, o número de vassalagem da “sabatina”, mas provavelmente não dará para fazer de novo. De mais a mais, o que é que adianta esse tipo de bajulação explícita? É o exato contrário: Lula continua devendo tudo à justiça. Não foi absolvido de absolutamente nada — ganhou de presente do STF a anulação dos seus processos penais, mas nosso tribunal supremo não disse uma sílaba sobre culpa, provas e fatos. Houve apenas um erro de endereço quanto ao lugar de julgamento, segundo decidiu o ministro que fez a “descondenação”. Que coisa, não?
É duro para Lula, ou para qualquer um, convencer alguém de sua inocência dizendo que “o processo foi resolvido pelo STF”. Que moral têm hoje essa gente para decidir alguma coisa sobre corrupção? Ganhar uma decisão favorável desse STF que está aí, aos olhos da maioria do público, equivale a receber um atestado de boa conduta do PCC. O que adianta, então, Lula ficar falando que foi “inocentado pelo STF”? Melhor, talvez, não dizer nada. A dificuldade é que não dá para chegar ao dia da eleição só ouvindo hinos de honra ao mérito como os que recebeu na “sabatina”. Não poderia haver demonstração melhor de que as coisas não vão bem do que o pedido do PT para mudar as regras dos próximos debates. Só time que perde, como é bem sabido, parte para cima do juiz no fim do jogo para reclamar.