Temos por hábito apontar os sucessivos descaminhos de um país que se recusa a abraçar o razoável. Os desvarios da política fiscal, os avanços da corrupção (e de seus defensores), a ascensão de medidas autoritárias, a desgraça em que submergem as nossas relações exteriores, tudo se faz de molde a nos abater o ânimo. Não se pode perder a oportunidade, portanto, posto que rara, de alardear o que de melhor o povo brasileiro pode ter a oferecer.
Já entre os anos 1950 e 1960, Carlos Lacerda dizia que, no momento mesmo em que nos debatemos com os dramas do Brasil, “em alguma parte deste imenso país, nem tudo são roubos e ações malfazejas. Alguém trabalha, muitos se esforçam por fazer progredir o país que os governos fazem marcar passo. A crise moral e a crise material com que a nação se debate não são as únicas forças com que ela conta. A esta mesma hora, em muitos lugares do Brasil, há quem reze, há quem pense, há quem fale, há quem trabalhe, com a cabeça, com os braços, por um progresso ao qual não faltará sentido na medida em que não nos separemos, não nos percamos, não nos deixemos vencer pelo cansaço”. Foi, sem dúvida alguma, o que fez o povo da cidade de Nova Roma do Sul, município gaúcho de fortes raízes italianas.
O caso extraordinário dos nova-romenses merece ser exposto em toda parte como um emblema do que somos capazes se aumentarmos nossa desconfiança em relação ao paternalismo estatal e dermos vazão às forças espontâneas da sociedade civil. Embora já tivesse sido divulgado até em alguns veículos da grande imprensa, tomei conhecimento dele apenas nos últimos dias 11 e 12 no Fórum Liberal 2024, organizado pelo Instituto Liberal de São Paulo no Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, que encerrou com um painel no qual representantes da associação Amigos de Nova Roma apresentaram sua história inspiradora.
Uma cheia do Rio das Antas em setembro de 2023 — portanto, antes dos desastres que hoje seguem tristemente afetando a população gaúcha — derrubou a maior parte da ponte centenária que ligava a pequena cidade da serra ao município vizinho de Farroupilha, um trajeto fundamental para a atividade econômica da região. Lideranças do empresariado de Nova Roma, a Igreja local e alguns moradores se reuniram para tentar enfrentar o grave problema, que demandava uma solução urgente.
Todos os acenos dos governos federal e estadual sinalizavam que o processo de reconstrução da ponte erguida à época de Getúlio Vargas, da qual sobreviveram dois robustos pilares, seria muito demorado e caro. Eis que esses representantes da sociedade civil, fundando uma associação com esse fim, tomaram para si as rédeas da labuta.
Mobilizando a população de quase 4 mil habitantes, a Associação dos Amigos de Nova Roma, que estatutariamente veda a presença de políticos em sua diretoria, organizou uma série de ações de arrecadação, entre doações, rifas e celebrações beneficentes. O resultado: a superação da meta, com o levantamento de R$ 7 milhões e a finalização da obra de restauração da ponte em 138 dias, por pelo menos um terço do valor que seria “necessário” para o Estado operar tudo com muito menos tempo do que o esperado.
Durante o evento, os representantes da Associação que foram até São Paulo expor o resultado de sua comovente iniciativa declararam que não tinham motivos para reclamar do governo do Rio Grande do Sul ou do governo federal, porque ao menos não atrapalharam. Não sei até que ponto concordo.
É fato, e fato alvissareiro, que a comunidade local detectou um problema, se engajou e resolveu por si mesma. Sem que sejamos forçosamente anarquistas, essa é a sinalização correta que o liberalismo sempre fez ao privilegiar a ação da sociedade em vez da burocracia, daqueles que lidam diretamente com uma realidade concreta em vez de um poder central distante dos cidadãos e submerso em uma estrutura complexa e amplamente parasitária. No entanto, os moradores de Nova Roma do Sul não deixaram de pagar seus impostos, abusivos e sem contrapartida adequada como os de todos os brasileiros, de modo que, confrontados pela ineficiência e inoperância do Estado, tiveram que pagar em dobro (ou mais) para terem suas necessidades atendidas. Registre-se nosso reconhecimento pela intrepidez desses gaúchos que honraram sua terra, sua gente, seus antepassados e seus descendentes, exemplificando o Brasil pelo qual vale a pena lutar.
Nova Roma do Sul é um belíssimo exemplo e uma ilustração explícita e pedagógica da bandeira liberal.
Leia também: “Pilatos nas águas”, artigo de Alexandre Garcia publicado na Edição 219 da Revista Oeste
Lucas Berlanza é presidente da diretoria executiva do Instituto Liberal
Não sou gaúcho, mas que orgulho de vcs . P A R A B É N S !