(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 8 de março de 2023)
O presidente Lula está armando o que pode vir a ser o maior escândalo em toda a história do Poder Judiciário do Brasil — a nomeação do seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, para um dos lugares a serem abertos no Supremo Tribunal Federal. Ele ficaria lá até 2051, quando fará 75 anos e seria obrigado a se aposentar. Serão quase 30 anos como ministro do Supremo; Zanin, hoje, tem 47. Jamais, em qualquer ponto da existência do país, um presidente da República chegou a esse ponto de degeneração ao tomar uma decisão de governo. Na verdade, não há nenhum país sério em todo o mundo em que o chefe da Nação se rebaixe a fazer o que Lula, segundo o noticiário, está querendo — colocar na principal Corte de Justiça do Brasil um empregado que cuida dos seus interesses materiais e cuja independência em relação ao governo será igual a três vezes zero.
Por sua conduta prática, pelo que diz em público e pelas decisões que tem tomado, Lula mostrou nos últimos dois meses que tem tudo para fazer um governo de calamidades, o pior que o país já teve — sim, pior até do que o de Dilma Rousseff. Com essa história de Zanin, porém, ele vai além. Prova, aí, que está perdendo o controle sobre si mesmo e sobre as obrigações do seu cargo; mergulhou naquela zona mental sinistra onde os controles morais desaparecem e o indivíduo começa a ter certeza de que nada do que ele queira, absolutamente nada, pode lhe ser negado. O mundo exterior deixa de existir. Não há mais qualquer respeito pela opinião, pelos argumentos ou pela inteligência de ninguém. Não há, para Lula, nada que esteja fora dele e mereça a mínima consideração. Não entende que seu cargo envolva deveres — só tem desejos. Ele cismou, agora, que o seu advogado tem de ir para o STF; lá, naturalmente, deve continuar lhe prestando obediência. É a confusão definitiva entre questão pública e capricho pessoal. Ninguém faz uma insensatez dessas, salvo, talvez, em alguma republiqueta bananeira de terceira categoria.
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Lula não precisa de mais um serviçal no STF; já tem, ali, todo o apoio que um político pode desejar e a certeza de que nos próximos cem anos a “corte suprema” não mexerá uma palha contra ele, faça o que fizer, ou contra qualquer figura do seu entorno. Seus riscos jurídicos, hoje, são nulos. Mas ele quer Zanin no STF; é a necessidade de humilhar a sociedade brasileira — que humilhação pode ser maior do que ter seu advogado particular como ministro do STF? É, também, a obsessão de provar que sua vontade está acima de tudo. É, enfim, a vingança do condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele está dizendo: “Vocês me puseram na cadeia. Agora, vão ter de engolir o meu advogado no Tribunal de Justiça mais importante do país”.
Uma das duas nulidades que está no STF exercendo as funções de “mulher” disse, na ânsia de agradar a Lula, que a nomeação de um ministro obviamente subordinado ao presidente da República é “normal”. Normal, com certeza, para este Supremo que tirou Lula da prisão e lhe entregou a Presidência; normal para quem vive de aberrações, viola a Constituição o tempo todo e dirige um regime de exceção. Mas é o que pode haver de mais anormal em qualquer sistema de Justiça que se dá o mínimo respeito. Havia muita preocupação, até há pouco, com “a imagem do Brasil no exterior”; a dignidade do país estaria sendo destruída pelo governo anterior. E agora, como fica essa imagem? Quem, em qualquer democracia do Primeiro Mundo, vai achar “normal” um despropósito como esse? Zanin, se for mesmo nomeado, será uma mancha eterna na história do STF.