Desde maio, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) investiga as invasões de terra feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que ganharam musculatura com a posse do presidente Lula. A CPI tem servido de palco para as típicas excrescências e trocas de incivilidades dos nossos parlamentares.
Os holofotes são atraídos para tais escândalos circenses — sem nenhuma pretensão de ofender os circos —, mas o problema em exame é muito sério. Velho conhecido dos brasileiros, o MST vem criando dores de cabeça na área rural com suas “ocupações” de propriedades de terra há 39 anos, quando foi fundado em janeiro de 1984.
Em vinculação ideológica explícita com a esquerda brasileira — incluindo uma relação originária com seus setores mais ligados à estrutura da Igreja Católica nacional, também presentes na formação do PT, por meio da Comissão Pastoral da Terra —, o MST é, há décadas, um grupo que se julga detentor da prerrogativa do uso da força para sentenciar, por si mesmo, que terras seriam improdutivas ou “socialmente” subaproveitadas e tomá-las para seus membros.
Em uma sociedade sã, o esperado seria a veemente condenação de tal abuso como uma violação perigosa do pilar da propriedade privada, indispensável ao exercício da liberdade e à edificação da prosperidade, bem como um recurso obscurantista à violência para resolução de divergências.
O fato de ainda haver quem vá ao microfone defender a “causa justa” do “movimento social” invasor de terras é, na verdade, sintoma de um problema de fundo, mais sistêmico e difícil de desenraizar do que o próprio MST em si: a base constitutiva da Nova República. Sob o pretexto de ter nascido em combate a uma tirania, a do regime militar, o sistema político em que vivemos se permitiu embeber do discurso segundo o qual seus agentes e gestores materializariam a “cidadania” e o “bem-estar social” a qualquer preço. Seus fins, moldados em virtude desde o berço, justificariam quaisquer meios.
A tolerância dos fundadores da Nova República com o MST é tão longeva quanto o próprio movimento — e não é uma exclusividade do PT. Em julho de 2000, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso liberou R$ 2,1 bilhões para o atendimento de 51 itens “reivindicados” pelo MST. As “reivindicações” do MST, evidentemente, não eram e não são feitas através da livre expressão da opinião pública, do debate aberto e das vozes eleitas para encaminhar as questões nacionais dentro do sistema representativo. Essas exigências são chantagens, verdadeiras extorsões. Em linhas gerais, a negação do Estado de Direito e um atentado às instituições.
Desde os governos do PSDB até o atual cenário de crescente autoritarismo judiciário em um novo ciclo lulopetista, nossas principais autoridades são incapazes de enxergar o absurdo da própria existência desse movimento, empregando os métodos que emprega, considerado um imperativo da normalidade democrática.
No caso do MST, diriam as nossas autoridades, pode haver excessos eventuais, mas não há extremismo inerente à sua natureza. É um ator político legitimado; basta envernizar suas ações com o adjetivo “social” e tudo se passa sem estarrecimento.
Em 2015, o atual vice de Lula, Geraldo Alckmin, que ainda acusava o atual presidente da República de ser um criminoso, já afirmava, no entanto, que era necessário ter mais “condescendência” com o MST. O então parlamentar de baixo clero Jair Bolsonaro afirmava que era necessário “radicalizar” no enfrentamento aos invasores. Não obstante todas as críticas que possamos fazer a Bolsonaro e ao bolsonarismo, essas circunstâncias explicam em parte o fenômeno de sua ascensão. Nossa elite política, ao distorcer todas as palavras e todos os valores, implora para ser desprezada.
As invasões do MST põem em risco a integridade dos indivíduos e de suas propriedades, a tranquilidade do trabalho e, por vezes, até o desenvolvimento de pesquisas científicas. Se afastarmos da discussão simbolismos emocionados, são muito mais ameaçadoras, portanto, do que os atos de vandalismo cometidos em oito de janeiro contra as instalações da Praça dos Três Poderes.
Como disse o deputado federal e presidente da CPI, tenente-coronel Zucco (Republicanos-RS), “não pode um movimento se autonomear autoridade para dizer se aquela terra deve ou não ser invadida, se é ou não produtiva. Isso não é o MST que tem que avaliar”. Isso deveria concluir o assunto.
Como os militantes do MST, entretanto, não estão vestidos de verde e amarelo, ainda deveremos discuti-lo, por anos a fio.
Leia também: “Sem terra e sem lei”, reportagem publicada na Edição 156 da Revista Oeste
*Lucas Berlanza Corrêa é presidente da diretoria executiva do Instituto Liberal