Vera Chemim*
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal. A maioria dos ministros estabeleceu ainda 40 gramas do entorpecente como critério para diferenciar usuário de traficante.
Em um julgamento bastante confuso, a Corte manteve a ilicitude do ato e, por essa razão, proibido em local público, mas retirou seu caráter de ilícito penal, além de definir a prática como sendo de natureza administrativa, portanto, passível agora apenas de “advertência e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. A tese fixada pelo STF exclui o inciso II do artigo 28, da Lei das Drogas, que prevê a pena de prestação de serviços à comunidade (alternativa à prisão), razão pela qual o consumo de maconha deixou de ser crime, com a aplicação daquelas medidas exclusivamente administrativas. O tribunal entendeu também que um juiz criminal tem de analisar os casos, até que o Parlamento defina quem será o responsável por fiscalizá-los no âmbito administrativo.
Um dos principais problemas decorrentes de todo esse imbróglio é o fato inquestionável de que o Poder competente para tratar da matéria, e outras de interesse da sociedade brasileira, é o Legislativo. Por isso, ao entrar em uma seara que não é sua, o STF perdeu mais uma vez a oportunidade de exercer a autocontenção. Isso porque os ministros deveriam ter se limitado a decidir apenas sobre o caso concreto que estava em julgamento (o de um preso flagrado com 3 gramas de maconha em uma cadeia) e, no tocante ao reconhecimento da repercussão geral, declarar estritamente a (in) constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas sem entrar nos subtemas “criados”.
Além disso, a fixação da quantidade de maconha sem qualquer consulta prévia às instituições científicas e às autoridades médicas especializadas reflete a incerteza e insegurança inerentes de uma decisão precoce e imatura do ponto de vista institucional, sem contar o ativismo judicial escancarado ao invadir a competência do Legislativo, legitimado politicamente para a tomada de decisões dessa natureza.
Apesar do prazo de 18 meses concedido aos deputados e senadores — o que por si só já se mostra ofensivo às instituições que o compõem —, nada justifica a imposição de subtemas criados, como a diferenciação de usuário e traficante, a eliminação do ilícito penal, a definição da quantidade de maconha, além de determinar aos demais Poderes a operacionalização de políticas de saúde públicas para o enfrentamento do consumo de drogas.
Como se tudo isso não bastasse, o STF decidiu que o Conselho Nacional de Justiça será o órgão competente para a prática de ritos e procedimentos relacionados ao tema, assim como a Anvisa e outras instituições públicas ligadas à saúde para o cumprimento de todas as medidas de caráter administrativo.
A maioria dos debates da Corte sobre o consumo pessoal de drogas já estavam previstos nos incisos I a III da Lei de Drogas e, principalmente, no parágrafo 2º do artigo 28, o que permite concluir que o STF “choveu no molhado” ou ainda intensificou um círculo vicioso, a partir do momento em que já se tem como certo o fato de que a realidade continuará a mesma, além da retroalimentação do tráfico de drogas por meio da implementação do consumo pessoal de maconha.
Na prática, o julgamento no STF e a tendência apressada de uma posterior criminalização por parte do Congresso Nacional não impedem a constatação óbvia de que tais decisões correspondem a meros paliativos, uma vez que o tema é complexo, demandando um debate de alto nível para que se efetive uma solução de médio a longo prazo.
A despeito de críticas à criminalização, pelo menos ela contribui, guardadas as devidas proporções, para a repressão do seu consumo, até que haja um amadurecimento das instituições e da sociedade brasileira, no sentido de encontrar soluções eficazes e eficientes para o combate às drogas, tanto do ponto de vista social, quanto do ponto de vista orçamentário.
Nessa direção, o caminho a ser trilhado é o da progressiva conscientização dos malefícios causados pelo consumo de drogas em geral, por meio da operacionalização de políticas públicas capazes de modificar o atual cenário, conforme observado pelos próprios ministros em suas considerações finais.
Leia também: “Tempos de treva”, reportagem publicada na Edição 223 da Revista Oeste
*Vera Chemim é advogada constitucionalista e mestre em Direito público pela FGV
VISÃO DO INFERNO !!!
Os sem votos estão no mais alto nível de absurdos com decisões que não valem nada na prática do dia a dia . Qualquer um sabe que ninguém vai pesar a droga num flagrante, mas os paspalhos acreditam nisso,