Uma ONG com breve histórico de atuação em Anápolis (GO) recebeu, nos últimos três anos, mais de R$ 90 milhões, destinados a iniciativas que vão desde competições de jogos eletrônicos em dez Estados até o controle de zoonoses no Acre. O dinheiro veio por meio de 26 emendas parlamentares.
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Nas ações voltadas para os games — maior foco da entidade com o uso das emendas —, uma parte significativa dos recursos recebidos vai para aluguel de computadores, com valores até 11 vezes superiores ao preço de compra, conforme documentos oficiais obtidos pela Folha de S.Paulo. Além disso, a ONG usa cerca de 40% do valor para festas de abertura e encerramento dos eventos.
A Associação Moriá está entre as dez ONGs citadas em um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU). O órgão enviou informações ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre essas organizações depois de uma ordem do ministro Flávio Dino para realizar uma auditoria nas despesas com emendas.
No caso da Moriá, a CGU identificou gastos “evitáveis” de R$ 1,7 milhão em dois desses convênios e apontou a “ausência de análise crítica” na aprovação dos orçamentos pelo governo federal. Em nota, a ONG refuta qualquer irregularidade e afirma que “os programas executados pela entidade atenderam a todas as etapas estabelecidas pelo Executivo federal, respeitando todos os requisitos, critérios e padrões contratados”.
No Orçamento de 2024, a Moriá recebeu emendas para realizar os Jogos Educacionais Digitais (Jedis) em Goiás, Alagoas, Amazonas, Rondônia, Bahia, Minas Gerais e no Distrito Federal. O objetivo é ensinar jogos on-line como Valorant, League of Legends, eFootball e Free Fire nas escolas. Somente a bancada do DF destinou R$ 37 milhões para essas atividades.
Um dos projetos em andamento, os Jogos Estudantis Digitais de Brasília, prevê atender 300 jovens em dez núcleos, um total de 3 mil pessoas. No entanto, o plano de trabalho acessado pela Folha revela que as contratações de cursos, camisetas, medalhas e outros itens são para 5 mil pessoas. Esse plano foi aprovado pelo Ministério do Esporte, de cujo orçamento saiu a emenda.
De acordo com a CGU, “não há um padrão e também não há critério claro por parte do gestor federal para aprovação e análise dos planos de trabalho, mesmo se tratando de itens idênticos”. Isso pode aumentar o risco de sobrepreço na aquisição de bens e serviços e “demonstra subjetividade e ausência de análise crítica do gestor (supervisão) na aprovação dos orçamentos encaminhados pelos proponentes”, diz o órgão.
ONG teve mudança na diretoria ao começar a receber emendas
A Moriá surgiu em 2017, criada em 2017 pelo pastor Marcos Araújo e sua esposa, Elida. O histórico da ONG com políticas públicas se restringia a um evento natalino em Anápolis e a dois convênios, de R$ 40 mil, com a prefeitura local até 2022, quando a entidade passou por mudanças na direção.
Gustavo Henrique Fonseca de Deus, ex-militar que foi funcionário terceirizado no mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, assumiu a direção da Moriá em 2022, quando a ONG recebeu uma emenda de R$ 4 milhões do deputado Pedro Augusto (PP-RJ) para organizar jogos em dez núcleos no Rio. A entidade mudou de direção logo ao assinar o termo de fomento, na última semana do governo Bolsonaro.
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Ex-militar, Fonseca de Deus trabalhou como funcionário terceirizado na área de gestão de projetos de Esporte no então Ministério da Cidadania. Chegaram depois à Moriá o capitão reformado José Ferreira de Barros, seu colega na Marinha, e Daniel Raomaniuk Pinheiro Lima, que comandou a assessoria jurídica do Ministério da Saúde na gestão de Ricardo Barros (PP) depois de trabalhar para a esposa dele.
Ferreira de Barros e Pinheiro Lima são, respectivamente, vice-presidente e diretor administrativo da ONG.
A queridinha do Orçamento de 2024
Com nova gestão e sede em Brasília, a Moriá foi uma das ONGs que mais recebeu emendas no Orçamento de 2024, com 13 emendas provenientes de cinco ministérios. Um dos projetos em execução, em Brasília, prevê a locação de 62 computadores para o Jedis-DF por R$ 2,2 milhões durante dez meses, o que equivale a R$ 35 mil por unidade.
Computadores semelhantes, com processador de quinta geração e tela 24 polegadas, custam menos de R$ 5 mil no mercado. De acordo com a CGU, o custo médio para a compra das máquinas seria de R$ 4,5 mil.
O projeto aprovado pelo Ministério do Esporte também prevê outros itens, como cadeiras gamers, no valor de R$ 940 mensais, e TVs de 43 polegadas (R$ 1,8 mil mensais), fornecidos pela mesma empresa que alugou um carro popular por R$ 50 mil anuais, sem especificação do modelo ou das condições. O contrato também inclui o pagamento de 15 dias de aluguel para transporte e instalação de cada item.
A ONG justifica que a locação é “sempre mais vantajosa” que a compra, e argumenta que os preços contratados incluem montagem, desmontagem, fretamento e configuração das máquinas, o que eleva o custo. Os projetos foram aprovados pelo Ministério do Esporte, que agora analisa os planos de trabalho e julga a prestação de contas do primeiro Jedis, no Rio. A pasta impôs sigilo aos documentos.
A partir de sete emendas da agora ex-deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), a Moriá ampliou sua área de atuação. Em 2023, a entidade firmou um convênio de R$ 6,7 milhões com o Ministério da Saúde para monitorar e controlar vetores de arbovírus, como o da dengue, nas cidades de Rio Branco e Cruzeiro do Sul, no Acre.
Sigam o dinheiro e vocês sabem onde vai dar….
Qualquer atividade se torna alvo da corrupção , é estrutural infelizmente.