(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 11 de fevereiro de 2024)
A questão que realmente interessa para o futuro próximo do país, uma vez passado o primeiro impacto do temporal que está agitando Brasília, é a seguinte: Jair Bolsonaro estaria finalmente liquidado para a vida política brasileira, ou vai continuar sendo o problema de vida, ou morte que o Supremo Tribunal Federal (STF), o governo Lula e quem acredita em ambos sustentam que ele é? Parece não importar muito, na atmosfera que o Poder Judiciário criou no Brasil nos últimos cinco anos, a qualidade técnica e o valor objetivo das provas apresentadas até agora pela polícia e pelo ministro Alexandre de Moraes. Toda essa história, desde o começo, não é sobre fatos — é sobre crenças.
Há muita gente que acredita, por exemplo, que Bolsonaro realmente matou 700 mil pessoas na pandemia de covid-19. Para todos esses, não há nenhuma dúvida de que o ex-presidente quis dar um golpe de Estado, antes ou logo após deixar o cargo, como dizem os comunicados da Polícia Federal (PF) e do ministro. Para outros tantos, ao contrário, o material apresentado até agora pelas autoridades não prova nada. Há conversas de golpe, minutas de golpe, e outras coisas de golpe — mas não se fez nada de prático para dar mesmo o golpe.
É como nas discussões sobre a real natureza da Santíssima Trindade, ou indagações semelhantes. Nunca vai se provar se isso é assim ou se é o contrário — e nem interessa mesmo que haja ou não haja prova, pois aqui a única questão é a fé. Além do mais, no Brasil de hoje, o conceito de prova evoluiu para o estado gasoso. A confissão do crime e a devolução de dinheiro roubado, por exemplo, não são provas contra o corruptor. Ter um estilingue e bolas de gude no bolso, por outro lado, é prova de golpe de Estado. Prova, na vida real, é aquilo que o STF diz que é prova, e as sentenças de condenação ou absolvição dependem de quem está sendo julgado, e não do que aconteceu. A discussão não é jurídica. É só política.
Bolsonaro, do ponto de vista político, é de fato um complicador. É inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, o que sem dúvida resolve o problema de quem teria de disputar eleição diretamente com ele, mas seus inimigos acham que o ex-presidente continua sendo uma força eleitoral. Seria melhor, do seu ponto de vista, que ele estivesse na cadeia durante a campanha pelas eleições municipais deste ano. Não poderia fazer lives. Não poderia circular pelo Brasil. Não poderia dar apoio a candidatos. Não teria redes sociais. Vai ser suficiente? As eleições para prefeito serão um grande teste para a política brasileira. Vai se saber, então, se o eleitorado acredita ou não que Bolsonaro tentou dar o golpe — e se acredita, o quanto está realmente ligando para isso.
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