(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 8 de março de 2025)
É curioso, na excitação nervosa que ferve nas classes civilizadas quando mencionam os nomes “Donald” e “Trump” na mesma frase, observar a condição indispensável que exigem para começar qualquer conversa a respeito: é proibido pensar. Você aceita, logo de cara, que Trump é a maior calamidade que o gênero humano já conheceu? Então podemos começar o debate. Você acha mais correto examinar primeiro os fatos, e fazer um raciocínio lógico sobre as ações concretas do novo presidente americano até agora, e só depois dar o seu julgamento? Aí não tem debate.
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É como na Igreja de outras eras. Ou o sujeito é católico, acredita nos santíssimos sacramentos e obedece ao que diz o padre, ou não. Se proceder de acordo com essas condições contratuais, pode aspirar à salvação. Tem sido assim com Trump. É proibido fazer perguntas objetivas no assunto, como era proibido perguntar sobre o funcionamento objetivo da Santíssima Trindade. É questão de fé e de doutrina; não mexa com essas coisas.

Se fosse possível lidar com a “questão Trump” de maneira racional, seria interessante, por exemplo, começar perguntando o seguinte: como, e por que, um país que tem Alexandre de Moraes pode estar preocupado com as ameaças que, segundo o pensamento oficial, Trump estaria trazendo à democracia nos Estados Unidos e no mundo? O governo, a esquerda e nossas classes culturais se dizem apavoradas com Trump. Tudo bem, mas onde há mais democracia nesse preciso momento — nos Estados Unidos ou no Brasil?
O presidente americano tem falado sobre aumento nas taxas de importação — mais falado do que feito, aliás. É intolerável, dizem nossos pensadores. Mas não é permitido perguntar como seria, em cima de fatos e números da vida real, essa anunciada destruição da economia global. Trump quer cortar 20% dos gastos do governo com a eliminação de despesas inúteis e fraudulentas. E se o Brasil fizesse a mesma coisa? Seria bom ou ruim? Mais: alguém acredita que os desperdícios e ladroagens do governo brasileiro sejam de apenas 20% do orçamento público? E os imigrantes ilegais — por acaso o Brasil aceita imigração ilegal?

Na questão da Ucrânia, uma das que mais enfureceu os comunicadores do time civilizado até agora, formou-se uma sinuca de bico. O presidente da Ucrânia é descrito com um herói por defender os interesses da Ucrânia. Por que o presidente americano não pode defender os interesses americanos? Ele acha que a população do seu país não vai ganhar nada se continuar jogando centenas de bilhões de dólares numa guerra que não pode ser vencida. O Brasil aceitaria isso? Não. Mas pensar, em relação a Trump, não é uma opção.
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Pensar exige análise de fatos. Daí se chega a conclusão: se tivéssemos um Trump aqui o país estaria melhor ou pior do que está?