(J. R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 23 de agosto de 2021)
De todos os momentos ruins e péssimos que a covid-19 produziu em um ano e meio de desgraças, nenhum foi pior que a atitude dos professores da rede pública de educação. Durante esse tempo todo, e apesar dos seus deveres evidentes e intransferíveis perante os alunos e toda a sociedade que paga por seu sustento, a maioria deles simplesmente se recusou a dar aulas nas escolas; nenhuma outra categoria de brasileiros fez essa exigência e teve esse privilégio em relação ao seu trabalho.
Talvez ninguém tenha se comportado pior, nessa tragédia social inédita, do que o Sindicato dos Professores de São Paulo, que acaba de se ver comandado, por decisão judicial, a cessar sua oposição absoluta à volta ao trabalho e ao cumprimento do seu dever mais fundamental. Foi preciso a Justiça decidir isso; pela vontade do sindicato, as escolas simplesmente continuariam fechadas, sem data para reabrir. Em nenhum outro lugar do mundo as crianças e os adolescentes estão há tanto tempo sem escola, incluindo a África e tudo o que há de mais atrasado nos cinco continentes. No Brasil pode, e os responsáveis por essa aberração ainda se proclamam heróis da “luta pela vida”.
Nunca houve, na verdade, o que se costuma chamar de “negociação” nesse tipo de coisa — os professores, acima e além de qualquer outra consideração, recusam-se a dar aulas. Ponto final. Jamais abriram mão do salário, ou aceitaram alguma diminuição na remuneração (foram comuns, nas empresas privadas, reduções de até 40% para o trabalho em sistema de home office), ou a interrupção na contagem do tempo de serviço para obter aposentadoria. Muitos, aliás, tiraram férias (com adicional de 30%) nesse exato período em que se recusaram a trabalhar. Que tal?
As exigências do sindicato foram de tal maneira absurdas que qualquer entendimento com a Secretaria da Educação ficou obviamente impossível. A última coisa que seus dirigentes quiseram impor: os professores só voltariam às escolas, duas semanas depois — isso mesmo, depois — de terem sido vacinados com duas doses — isso mesmo, duas doses — ou com dose única do imunizante. Ninguém no Brasil pediu nada parecido. Por que raios, então, os professores exigiam para si próprios o que não foi dado a nenhum outro brasileiro? Aliás: nenhum outro cidadão do planeta exigiu um negócio desses.
A greve de um ano e meio dos professores, justamente contra os mais pobres e os menos capazes de se defender, veio fortalecer ainda mais a hipocrisia sem limites que marca a atuação de organizações como os sindicatos de professores e outros cartórios da burocracia de esquerda neste país — onde ninguém corre o menor risco por suas ações, faz-se a defesa intransigente do privilégio e se pratica a mais agressiva política de concentração de renda atualmente em curso no Brasil.
De fato, o que pode concentrar mais renda, e produzir mais pobreza direto na veia, do que negar educação às classes pobres, como os professores vêm negando desde o início de 2020? A diferença entre a qualidade do ensino básico dado às crianças e aos jovens das classes ricas e médias, em relação à imensa maioria dos alunos carentes, já é um dos crimes sociais mais escandalosos cometidos em público no Brasil. Em cima disso, os sindicatos de professores vêm roubando há um ano e meio o pouco de educação que os pobres recebem.
Como alguém pode adquirir mais conhecimento — a única arma efetiva contra a pobreza — com a escola pública fechada? As lideranças dos professores gritam o tempo todo, dia e noite, contra a “pobreza”, a “desigualdade” e a “injustiça”, e tem sempre pronta a lista dos que acham “culpados” por isso tudo. Nunca lhes ocorre que são uma das causas centrais de toda essa miséria.
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