Nas eleições de 2022, os candidatos que estão procurando a ajuda dos marqueteiros talvez tenham mais uma grande decepção. Raramente ganha uma eleição quem fala melhor. A oratória, decisiva em outros tempos, não tem mais a mesma importância.
Falar bem e bonito é necessário? É. Mas o rádio, depois a televisão, e agora as redes sociais mudaram completamente as regras do jogo. Essa percepção não é nova. Está no clássico Como ganhar uma eleição, escrito pelo general romano Quinto Túlio Cícero no outono de 64 aC com o fim de aconselhar o irmão Marco Túlio Cícero, o maior orador da antiga Roma, candidato a cônsul, o cargo mais alto da República.
Quinto era o caçula. O pai de ambos, um homem de negócios, mandara os filhos para a Grécia para estudar com os filósofos, em plena Antiguidade. Marco Túlio Cícero tornara-se um advogado brilhante e bem pago. Em sua estreia ganhou um bom dinheiro. Todo romano culto era fluente em latim e em grego, como hoje o brasileiro equivalente é fluente em português e em inglês. Mas a quem Marco Túlio defendera no tribunal? A um homem rico acusado de assassinato. Surgiram outros clientes ricos e influentes e logo ele era nomeado questor e depois pretor, cargos importantes. Mas cônsul não estava para o seu bico. Seria algo como presidente da República, hoje, no Brasil.
Os nobres eram decisivos para a eleição de 64 a. C. Era também candidato a cônsul Luís Sérgio Catilina. Seu último nome ficou eternizado numa palavra que de substantivo próprio passou a substantivo comum: catilinária. A abertura de uma delas é inesquecível. Certa vez, na BandNews, tratei do tema e Ricardo Boechat a recitou com entusiasmo:
Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?) Quam diu etiam furor iste tuus eludet? (Por quanto tempo a tua loucura zombará de nós?) Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia? (A que extremos irá tua audácia desenfreada?) Luís Sérgio Catilina ainda não tinha sido desmascarado, mas os nobres desconfiavam muito dele e o consideravam uma pessoa de má índole, repugnante e a ser evitada.
Foi então que o caçula, general comandante, resolveu entrar em campo. Escreveu uma carta ao irmão dando conselhos que ele não podia dispensar naquelas eleições. Poucas famílias controlavam a política romana. O império ainda não existia e só começaria com Augusto, que naquelas eleições era um bebê de apenas um ano. Para ser candidato a cônsul, havia certos requisitos, entre os quais cuidar do tesouro como questor ou administrar o funcionamento dos tribunais como pretor. Roma tinha optado por eleger dois cônsules. Talvez para pôr um contra o outro e poder manipulá-los.
A democracia em Roma não era grega. Era romana, isto é, indireta. Lendo os autores clássicos da Roma antiga e mirando o Brasil, o leitor poderá pensar: quem financia as campanhas decide em quem o povo vai votar. Nobres, ricos e influentes por outros motivos escolhiam o candidato e votavam nele e antes mesmo de o povo votar já se sabia quem seria o eleito.
No dia das eleições os cidadãos, de Roma ou das cidades vizinhas, iam de manhã para o Campo de Marte ouvir os últimos discursos. À tarde, votavam. O voto era secreto. Escrito num pequeno bloco de madeira coberto de cera, era depositado numa cesta de vime.
Quais foram os conselhos do irmão caçula a Cícero para disputar aquelas eleições? O primeiro deles é que ele precisava buscar inicialmente o apoio da família e dos amigos e precaver-se dos boatos.
O segundo é cercar-se de pessoas competentes, mas tão competentes que elas possam realmente representá-lo, caso necessário, naqueles lugares aonde não pudesse ir.
O terceiro é cobrar todos os favores. O eleito era devedor de quem lhe financiou a campanha, mas lhes lembraria que apenas ele poderia retribuir com o apoio de que eventualmente precisassem.
O quarto conselho era agradar com sua oratória aos nobres do senado e aos ricos empresários, constantemente em conflito, com o fim de tirar proveito disso.
Em quinto lugar vem um conselho curioso: prometer tudo a todos. Nem que, naturalmente, caia em contradição. Prometer aos conservadores conservar as tradições e prometer mudanças a quem quer mudar. E Quinto explicita a Cícero: diga aos seus eleitores o que eles querem ouvir.
Quinto Tulio conclui recomendando que o irmão estude as fraquezas dos adversários e tire proveito disso. Que diga aos eleitores que vai mudar para melhor a vida deles, mesmo sabendo de antemão que será impossível.
Marco Túlio Cícero venceu aquelas eleições. E uma vez eleito teve que enfrentar Catilina, que tinha muito apoio dos senadores. Mas o venceu também.
Depois do assassinato de César, Cícero foi decapitado por ordens de Marco Antônio. Sua mulher, Fúlvia, encheu de grampos de cabelo a língua do cadáver para vingar-se de sua oratória contra o marido.
Cícero somente foi capturado porque tinha sido traído por um protegido do irmão Quinto, que o ensinara a vencer as eleições. O traidor chamava-se Filólogo, então um nome próprio.
Se tem esses ensinamentos e muitas outras dicas, ditas, escritas ou insinuadas, em notas, opúsculos e até em livros, que na sua maioria milenares, porém mui cabíveis até os dias de hoje, inclusive quando o trato é do trato que pessoas de mau caráter tem com outrem (nós).
belíssima matéria, Deonísio da Silva – brilhantes mesmo – agradecimentos por essa “pérola” tão preciosa.
Entre o questor e o pretor, eis que aparece em SP um…gestor.
Boa. Jota! Kkk…
Kkkkkk…
Os candidatos dependem de um partido. Os donos de partido só dispõe as vagas para aqueles que irão fazer suas vontades. Ministérios e estatais
Isso acontence até hoje; a diferença é que a esquerda brasileira diz que eleição não se ganha; SE TOMA!
AUGUSTA OPINIÃO CERTEIRA.PARABENS
Donde: Dessas coisas lá ao tempo houveram; como dessas couzas cá nestes tempos hão. A história se repete farta e falsamente.
Há um cuja oratória bufa segue bem os ensinamentos de Quinto. E, claro, jamais os cumpriu nem cumpriria – o povo despertou e está de olho em seus suportes.
A história romana é sensacional, praticamente a origem do que somos hoje principalmente aqui no Brasil…. Os conselhos de Cícero para o irmão são usados até hoje e apesar redes sociais, o principal deles perdurará por séculos: “… prometa tudo à todos”… ” Fale aos eleitores aquilo que querem ouvir”…. Kkkkkk
ah, ah, ah… é bem isso que sempre ouvimos de um certo candidato que já “puxou” 580 dias de “cana”, e foi descondenado (mas não inocentado) pelos seus devedores da Suprema Corte.