O Tribunal de Contas da União (TCU) arquivou, nesta quarta-feira, 26, o processo que sugeria a imposição de multa ao general Laerte de Souza Santos, chefe do Comando Logístico do Exército durante o governo Jair Bolsonaro, por revogar portarias que regulamentavam o rastreamento de armas e munições.
A recomendação inicial veio da área técnica do TCU, que alegou que o general havia atrasado, em “erro grosseiro” e “injustificadamente”, o aprimoramento de políticas públicas para fiscalizar armas ao revogar as portarias 46, 60 e 61, editadas em 2020. As informações foram obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo.
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“Considera-se inafastável a conclusão de que a edição da Portaria Colog 62/2020 pelo sr. Santos ocorreu com desvio de finalidade”, diz a área técnica do TCU. “Adicionalmente, é inevitável concluir que houve prejuízo ao aprimoramento tempestivo da política pública de rastreamento de produtos controlados pelo Exército.”
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A área técnica do tribunal sugeriu que o general Santos fosse multado em R$ 17 mil, em até 36 parcelas mensais, com o primeiro pagamento 15 dias depois da notificação da decisão.
No entanto, o relator do processo, ministro Marcos Bemquerer Costa, argumentou que, no ano seguinte à revogação das normas, o Exército publicou três novas portarias, que, segundo ele, foram “mais bem elaboradas” e otimizaram o controle de armas, munições e explosivos.
Assim, o ministro acrescentou que, apesar da demora, a revogação não constituiu um erro grosseiro por parte do general, que não agiu com grave negligência ou culpa.
Em outro processo, relacionado ao mesmo tema, o TCU também discordou da área técnica e decidiu não investigar a responsabilidade de generais do Exército por falhas na fiscalização de produtos controlados.
Uma das portarias revogadas por Santos havia criado o Sistema de Rastreamento de Produtos Controlados (Sinar). Outra determinava que a arma precisa conter dados para fiscalização, como nome do fabricante, calibre e número de série. A terceira criava regras para o controle de marcação de embalagens e cartuchos de munição.
Um mês depois da publicação, o general anulou todas as normas. O então presidente Jair Bolsonaro anunciou nas redes sociais a revogação das portarias, por não estarem alinhadas às suas diretrizes de governo. Durante sua gestão, Bolsonaro incentivou o armamento dos cidadãos comuns e ampliou o acesso a armas de calibres maiores.
“Determinei a revogação das Portarias COLOG Nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”, escreveu Bolsonaro.
– ATIRADORES e COLECIONADORES:
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) April 17, 2020
– Determinei a revogação das Portarias COLOG Nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos.
A defesa do general Santos negou ao TCU que a revogação tenha sido motivada por “descontentamento” do presidente. Segundo os advogados do general, as normas foram anuladas devido a razões técnicas que impediam sua implementação.
“A revogação de tais atos normativos permitiu que o Exército entabulasse estudos com vistas ao aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e fiscalização dos produtos controlados”, diz a defesa do general.
O Comando do Exército apresentou ao menos quatro justificativas para a revogação. Segundo a área técnica do TCU, elas reforçam a ideia de que o general não apresentou uma motivação razoável para justificar as mudanças.
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Depois da revogação, o general Santos assumiu o cargo de chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, posição que ocupou até o final de 2022. Ele atualmente está na reserva.
Instituto Sou da Paz critica TCU
O Instituto Sou da Paz se manifestou para afirmar, em nota, que a multa proposta pelo TCU já era uma punição “baixa” diante da gravidade do caso, que expôs o Brasil a falhas de segurança pública ao deixar o país sem regras de marcação de armas e munições, além de ficar sem um sistema nacional de rastreamento por quase dois anos.
“A mensagem enviada pelo Tribunal à sociedade com esta decisão unânime é de que as regras de direito administrativo às quais se submetem todos os servidores públicos, não se aplicam da mesma forma aos oficiais das Forças Armadas”, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
🧶Reportagem revela que falhas no controle de armas já tinham sido apontadas em 2017 e recomendações do TCU sobre a gestão de armas de CACs ñ foram integralmente cumpridas pelo Exército. A criação de um sistema próprio de venda de munições é um exemplo de recomendação ñ atendida. pic.twitter.com/Oi2rrCscwQ
— Instituto Sou da Paz (@isoudapaz) March 27, 2024
Relatório aponta falta de rigor na fiscalização de CACs
Um relatório do TCU sobre a atuação dos militares no controle de armas durante o governo Bolsonaro revelou que, entre 2019 e 2022, 5,2 mil condenados pela Justiça conseguiram obter, renovar ou manter o registro de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) no Exército. De acordo com a auditoria, o Exército liberou armas de fogo para 2,69 mil pessoas com mandados de prisão em aberto.
Os técnicos da corte de contas concluíram que o Exército falhou em suas atribuições ao apontar “sérias fragilidades” na fase de comprovação da idoneidade de quem obteve ou renovou o registro de CAC. Também foi identificado que não havia uma “rotina regular de monitoramento periódico” para detectar irregularidades nos registros em vigor.
O mesmo relatório revelou que, entre as armas apreendidas por envolvimento em atividades criminosas no Estado de São Paulo, 8% eram de propriedade de CACs, o que evidenciaria a conexão entre o mercado legal e o ilegal. De um total de 47,74 mil armas apreendidas entre 2015 e 2020, 3,87 mil pertenciam a CACs, e 1,31 mil delas foram adquiridas e registradas no Exército a partir de 2019.